íntegra
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.782-0 - JALES - Apelante: - AMÉRICO MODESTO - Apelado: - OFICIAL DE REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS E ANEXOS.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.782-0, da Comarca de JALES, em que é apelante AMÉRICO MODESTO e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS E ANEXOS.
A C O R D A M os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por maioria de votos, adotado o relatório de fls. dar provimento ao recurso.
1. Insurge-se o recorrente contra respeitável sentença que, acolhendo dúvida inversamente suscitada, denegou o registro de instrumento particular de venda e compra de imóveis sob o fundamento de que, nos termos do art. 127, parágrafo único, da Lei nº 6.015/73, não cabe ao Registro de Títulos e Documentos a realização de quaisquer registros atribuídos expressamente a outro ofício. O recurso sustenta, com base em doutrina e no preceito do art. 127, VII, da Lei de Registros Públicos, a perfeita viabilidade do registro perseguido, que visa, exclusivamente à conservação do documento.
2. Consistente o apelo, merece reforma a decisão atacada, que, abrigando, em parte, as razões da recusa e indeferindo o registro, não deu à espécie a solução juridicamente adequada.
O título apresentado a registro identifica-se como instrumento particular de venda e compra de imóvel, com preço de CR$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil cruzeiros) (fls. 5/7). E o foi com a exclusiva finalidade de conservação do documento, atribuição específica do Registro de Títulos e Documentos (art. 127, VII, da Lei 6.015/73).
Ora, carecendo da forma solene imposta pela Lei Civil (art. 134, II, do C. Civil), tal título jamais poderia ter ingresso no Registro de Imóveis (art. 221, I a IV, da Lei nº 6.015/73), como não deixou de assinalar o Oficial (fls. 8 vº). Por isso, não se lhe pode vedar, para os fins pretendidos, o ingresso no Registro de Títulos e Documentos.
Assim, se a MM. Juiz sentenciante bem repeliu a exigência do prévio recolhimento do imposto de transmissão, de todo descabida na espécie, não se houve com acerto em denegar o registro, ao entendê-lo expressamente atribuído ao Registro de Imóveis.
3. Com a boa doutrina, pode-se afirmar que, desde sua instituição, o Registro de Títulos e Documentos exerce dupla finalidade, vale dizer, a de, facultativamente, atribuir autenticidade ao documento, quer demonstrando a exatidão de sua data e conteúdo, quer conservando-o para a hipótese de perda ou extravio (art. 127, VII, da Lei nº 6.015/73), bem como a de, obrigatoriamente, constituir forma incontroversa de publicidade, quanto a certos atos expressamente catalogados, para a sua eficácia em relação a terceiros (art. 129, nºs 1 a 9, da Lei 6.015/73) - (CF. SERPA LOPES, "Tratado dos Registros Públicos", vol. II, 1962, Freitas Bastos - 5ª. Edição - pgs.56/62; WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA - "Comentários à Lei dos Registros Públicos" - vol. I, 1977 - Forense, pgs. 48/419; WALTER CENEVIVA - "Lei dos Registros Públicos", Saraiva - 1980 - 2ª edição - pg. 269).
Em se cuidando de transcrição facultativa, para efeito de mera conservação ou autenticação de data (hipótese que, mais de perto, interessa ao deslinde do caso "sub examine"), onde nem mesmo "há impedimento para o registro de instrumento publico" (WALTER CENEVIVA ob. cit., pg. 272), não há como se negar a possibilidade de ingresso, no Registro de Títulos e Documentos, sua sede natural e originária, dos instrumentos particulares, como decorre da amplitude da expressão legal "quaisquer documentos", inserida no art. 127, VI, da Lei nº 6.015/73.
E contra tal conclusão não servirá argumentar com a literalidade do preceito contido no parágrafo único daquele dispositivo, que, conferindo ao Registro de Títulos e Documentos, de forma ampla, a função residual e supletiva dos demais registros, objetiva, precípua e finalisticamente, delimitar o campo de suas atribuições legais a "quaisquer registros não atribuídos a outro Ofício". Vale dizer, ao exame da pertinência, por exemplo, do registro de um instrumento particular de venda e compra de imóvel, que lhe é, em caráter facultativo, apresentado para fins de mera conservação, importa tão somente o documento, extrinsecamente considerado, e não a natureza do negócio jurídico nele instrumentado e contido, bem porque o registro da compra e venda, para operar, legalmente, a transmissão do domínio, desde que obedecida a forma prescrita, está exclusivamente reservado ao Registro Imobiliário (art. 167, I, nº 29 c/c o art. 172, da Lei nº 6.015/73 e art. 856, I, do C. Civil).
Forçoso convir, portanto, consoante a melhor doutrina, que "a interpretação sistemática a ser dada ao parágrafo e a distribuição supletiva ao Registro de Títulos, quando na atribuição expressa a outro Ofício ou quando, por sua natureza, o assentamento deva ser feito necessariamente em cartório diverso, para produzir seus efeitos", nada impedindo, consequentemente, "que um título ou instrumento, vinculados por sua natureza a outro registro, sejam lançados também no de títulos e documentos, embora sem os fins específicos do cartório ao qual são pertinentes" (WALTER CENEVIVA, ob. cit., pg.275 - os grifos não são do original).
Desse sentir não discrepa ANTONIO MACEDO DE CAMPOS, ao assinalar, em lição lembrada pelo recorrente:
"O inciso VII, do art. 127 da Lei dos Registros Públicos é de amplitude fora do comum, pois obriga em seu seio a possibilidade do registro de todo e qualquer documento que se possa imaginar os efeitos, porém, não são aqueles previsto por lei para a hipótese de transcrição dos documentos obrigatórios, e o próprio inciso cassa-lhe a eficácia quando na parte final emprega a expressão "para sua conservação". Este registro constituirá um elemento a mais e de ordem eficiente para reconstituir o documento original na hipótese de extravio ou perda, sem falar-se que seu valor como prova será equivalente, em igualdade de condições, ao original" ("Comentários à Lei dos Registros Públicos - Vol. II, Jalovi, 1977 -1ª. Edição - pgs. 98/99).
4. Louvável, a propósito, a preocupação revelada no parecer da douta Procuradoria ao opinar contrariamente à pretensão do apelante (fls. 30).
Inegável que uma indiscriminada admissão, por parte dos cartórios de Títulos e Documentos, de registros expressamente atribuídos a outros, até mesmo, em especial, de títulos formalmente aptos ao devido ingresso no Registro Imobiliário, sua verdadeira sede natural, poderia ensejar riscos de indução a erro, do público em geral, sobre os efeitos e consequências jurídicas dos atos assim praticados, particularmente nas comarcas do Interior, onde ambos os registros são normalmente cometidos a uma mesma serventia.
Mas, tal eventualidade poderia, a rigor, constituir óbice legal ao registro aqui, facultativamente, perseguido.
Certamente que, para os casos supra referidos, se exigirá, dos Oficiais do Registro de Títulos e Documentos, a mais criteriosa prudência, de tal arte a só efetuarem a transcrição de tais títulos, quando já regularmente registrados na repartição pública que lhes seja normalmente destinada pelo ordenamento jurídico, ou quando, para tanto, se exibirem formalmente inábeis, cumprindo-lhes, em qualquer hipótese e no reto desempenho de seu grave mister, esclarecer e orientar convenientemente os interessados, sempre no sentido da certeza do verdadeiro direito buscado:
Por outro lado, viável que se mostre o registro, deverão adotar as providências cautelares preconizadas pelas "Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça" -( Provimento nº 5/81), cujos itens 2 e 2.1, de seu Capítulo XIX, editados exatamente com o propósito de obviar os perigos assinalados pelo Ministério Público, determinam textualmente:
"Quando se tratar de transcrição facultativa, será feita expressa menção a essa circunstância, consignando-se livro e folha, ou microfilme, bem como que se trata de ato praticado no Registro de Títulos e Documentos". É vedado o uso de carimbo, ou de qualquer outra indicação, que possa ensejar dúvida ou confusão sobre a natureza do registro efetuado.
5. Por todo o exposto, acordam, por maioria de votos, dar provimento ao recurso, para julgar improcedente a dúvida e deferir o registro pretendido.
Custas "ex lege"
São Paulo, 18 de abril de 1983.
(aa) FRANCISCO THOMAZ DE CARVALHO FILHO, Presidente do Tribunal de Justiça - BRUNO AFFONSO DE ANDRÉ, Corregedor Geral da Justiça e Relator - HUMBERTO DE ANDRADE JUNQUEIRA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, vencido.
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO
DESEMBARGADOR ANDRADE JUNQUEIRA
A orientação do Egrégio Conselho Superior da Magistratura tem sido no sentido da decisão recorrida, qual seja a de não se permitir o registro de escritura venda e compra de bens imóveis no cartório de Registro de Títulos e Documentos.
Aparentemente o venerando acórdão, ao pé do qual se faz esta declaração de voto, está de acordo com a lei, que contém dispositivo genérico permitindo o registro de quaisquer documentos para efeito de sua conservação ou autenticação.
Mas, o que levou o Egrégio Conselho Superior da Magistratura, durante os biênios anteriores a este, a manter aquela orientação foi o fato de tal registro se prestar a inúmeras fraudes; documentos que deveriam ser obrigatoriamente registrados ou matriculados no Registro de Imóveis para ter valor, uma vez recusado o registro ou a matrícula em razão de estarem incompletos, eram levados a registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos, quando então passaram a se prestar para a prática de fraudes contra terceiros de boa fé, ignorantes da diferença existente entre um registro e outro.
E é de se considerar que, nos tempos atuais, a autenticação quanto à data e aos termos de um documento é fácil de ser obtida, pois aí estão o reconhecimento de firma e a xerocópia autenticada, sem qualquer necessidade do registro no Cartório de Títulos e Documentos, registro este que, frente à lei, valor algum tem quanto a produzir efeitos legais em razão do registro, mas que, frente aos incautos, que são muitos, pode causar inúmeros danos.
Esses os motivos pelos quais aderi àquela jurisprudência vencedora até a data em que foi prolatado o venerando acórdão ao pé do qual se faz esta declaração de voto.
São Paulo, 18 de abril de 1983.
(a) HUMBERTO DE ANDRADE JUNQUEIRA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça
ADVOGADO: - DR. ALFREDO JOSÉ SALVIANO