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Consulta Técnica

RTD . CONSERVAÇÃO. CONTRATO DE PARCERIA AGRÍCOLA. NULIDADE. QUALIFICAÇÃO REGISTRAL.

30 de junho de 2020

9.949-0/6  Porto Feliz  26/06/1989  19/07/1989  Milton Evaristo dos Santos  Indefinido

PARCERIA AGRÍCOLA - QUALIFICAÇÃO REGISTRAL. Os contratos de parceria agrícola são regidos por normas de ordem pública, inderrogáveis pelos contratantes. Restringe a lei, em relação a eles, o âmbito da autonomia da vontade das partes. Assim, o Estatuto da Terra (Lei federal nº 4.504 de 30.11.64) estabelece, em seu artigo 96, inciso VI, percentuais máximos para a participação do proprietário nos frutos da parceria, reproduzidos no Decreto nº 59.566, de 1966 (artigo 35). E o artigo 13, inciso IV, da Lei federal nº 4.947, de 6.04.1966, estatui, na qualidade de princípio regulador dos contratos agrários, a "proibição de renúncia por parte do arrendatário ou do parceiro não-proprietário, de direitos ou vantagens estabelecidas em leis ou regulamentos".

íntegra

APELAÇÃO CÍVEL Nº 9.949-0/6 - PORTO FELIZ

I. Trata-se de Apelação (fls. 80/82) interposta por UNIÃO SÃO PAULO S.A. - AGRICULTURA, INDÚSTRIA E COMÉRCIO contra a r. sentença do MM. Juiz de Direito Corregedor Permanente do Cartório de Registro de Títulos e Documentos da Comarca de Porto Feliz (fls. 73/76), que, em procedimento de dúvida inversamente suscitada, denegou ingresso, no aludido Registro de Títulos e Documentos de contratos de parceria agrícola apresentados pela apelante.

O fundamento da recusa foi o de que a partilha dos frutos da parceria, consoante estipulado naqueles contratos, afronta o disposto no artigo 35 do Decreto federal nº 59.566, de 14.11.1966, porque excede a participação do outorgante os percentuais fixados naquele dispositivo cogente.

O tempestivo recurso, visando à reforma integral do julgado, atém-se a argumentos assim extratáveis: a) não há, nos contratos apresentados, nulidade reconhecível de ofício pelo registrador; b) um dos instrumentos que se quer registrar constitui aditivo a contrato já registrado no mesmo Cartório; c) não se aplica à hipótese o inciso I do artigo 35, do Decreto federal número 59.566/66, porquanto, a par do percentual estipulado para sua participação, a proprietária da terra, outorgante, assumiu outras obrigações nos contratos, tais a conservação de cercas, escoadouros, combate a pragas e preservação contra fogo dos canaviais, guarda de equipamentos, implementos e defensivos, etc.; d) também não é de ser invocado no caso em tela o Decreto-lei número 6.969, de 1944, uma vez que se cuida de relação jurídica diversa da contemplada naquele diploma.

Opinam os D. representantes do Ministério Público, em primeiro e em segundo graus, pelo improvimento do apelo, mantida a procedência da Dúvida (fls. 84/90 e 95/97).

É, em síntese, o relatório.

II. Opino.

Lembra WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA ("Comentários à Lei de Registros Públicos, Forense, 3ª ed., 1984, pág. 345) que os atos sujeitos a "transcrição", ou registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos, bipartem-se em duas categorias, aquela dos documentos sujeitos a registro apenas facultativo, de efeito tão conservativo, e a dos títulos cujo registro, por previsto expressamente em lei, destina-se à respectiva validade perante terceiros. Na segunda categoria enquadra-se o registro do contrato de parceria agrícola especificamente contemplado no artigo 127, inciso V, da Lei nº 6.015/73.

Em razão de se destinarem à publicização presumida "erga omnes", os referidos atos de registro capitulados em lei subordinam-se a qualificação formal ampla pelo Serventuário, também no que respeita ao prisma da legalidade. Não se cuida apenas de qualificar o título sob o enfoque de sua autenticidade: sujeita-se ele a exame de legalidade, de molde a evitar o Oficial dar publicidade equívoca a títulos cujo teor contravenha a lei. Se, nessa tarefa, se compete portanto ao registrador o ônus de perquirir de nulidades do ato submetido a registro, tem-se como certo, de outra parte, que as nulidades passíveis de qualificação registrária são apenas aquelas de natureza extrínseca, e, ao mesmo tempo, de natureza absoluta, afastada a rejeição de registro por alegada nulidade relativa, ou anulabilidade.

Os contratos de parceria agrícola são regidos por normas de ordem pública, inderrogáveis pelos contratantes. Restringe a lei, em relação a eles, o âmbito da autonomia da vontade das partes. Assim, o Estatuto da Terra (Lei federal nº 4.504 de 30.11.64) estabelece, em seu artigo 96, inciso VI, percentuais máximos para a participação do proprietário nos frutos da parceria, reproduzidos no Decreto nº 59.566, de 1966 (artigo 35). E o artigo 13, inciso IV, da Lei federal nº 4.947, de 6.04.1966, estatui, na qualidade de princípio regulador dos contratos agrários, a "proibição de renúncia por parte do arrendatário ou do parceiro não-proprietário, de direitos ou vantagens estabelecidas em leis ou regulamentos".

São três os contratos de parceria apresentados a registro (fls. 9/12, 22/27 e 47/54), o primeiro aditivo de retificação e ratificação de outro ajuste já registrado. Nos três, o parceiro outorgante - proprietário da terra - concorre apenas com o imóvel, quer dizer, com a terra nua. Em relação aos títulos de fls. de 22/27 e 47/54, celebrados pela apelante, respectivamente, com Lucrian Administração de Bens e Negócios Ltda. e Duarte Augusto Lopes, os parceiros outorgantes assumem obrigações complementares, a saber, serviços de "conservação de cercas, escoadouros, combate às pragas e preservação contra fogo nos canaviais", "guarda dos equipamentos, implementos e defensivos que estiverem na propriedade bem como a guarda dos canaviais" (fls. 23/24 e 49). Isto não é bastante a se enquadrar os contratos de parceria em exame em outro dispositivo que não o artigo 96, inciso VI, letra "a", da Lei nº 4.504, de 30.11.1964, segundo o qual a cota de participação do proprietário não pode ser superior a dez por cento. Superior, em todos os três títulos, é o percentual de participação avençado.

A edição de normas que consagrem marcado dirigismo contratual pode, nada obstante o propósito justificado e constitucional de adaptação do uso da propriedade a fins sociais, gerar situações de difícil delineamento prático, como as de que ora dão conta os presentes autos. Parece evidente que o escopo protetivo do hipossuficiente, que teria razoavelmente induzido o legislador a editar arcabouço legal de contratos agrários de forma tão minuciosa e arredante da presumida autonomia da vontade das partes, desconsiderando mesmo circunstâncias em princípio regíveis pelo mercado, resta de escassa compreensão prática quando o parceiro outorgado, ou agricultor, é pessoa jurídica em relação à qual, ainda a se abstrair quaisquer considerações de cunho propriamente individual, se supõe, quando menos, tenha exata e consciente noção das circunstâncias objetivas e subjetivas que a levaram, nos contratos, a optar pela porcentagem de remuneração do proprietário da terra a final ajustada. Algo paradoxal, ainda, é que a própria parceira outorgada, ora apelante, insista no registro de contratos de parceria nos quais o ajuste de participação só a ela, em tese, poderia trazer gravame.

Como quer que seja, em sede administrativa de aplicação da norma jurídica, a atuação do intérprete vincula-se a critérios de legalidade estrita, não havendo margem para a exegese extensiva mais própria da atividade jurisdicional.

As normas do Estatuto da Terra são de feição cogente, insusceptíveis de disposição em sentido diverso pelas partes, e os contratos de parceria agrícola apresentados, como de resto todo e qualquer contrato típico dessa natureza, subordinam-se ao regime por elas introduzido. O Decreto federal nº 59.566/66 chega a cominar de nulidade absoluta qualquer estipulação em contrato agrário que conflite com a disciplina daquele mesmo Regulamento (artigo 2º, parágrafo segundo).

Impunha-se, portanto, ao Serventuário a recusa de registro a contratos continentes de cláusulas vulneradoras do regime legal obrigatório.

Merece mantida a r. sentença de que se recorre.

III. O parecer, pois, é pelo improvimento da presente apelação, mantida a procedência da Dúvida.

À superior consideração de Vossa Excelência.

São Paulo, 30 de maio de 1989.

(a) AROLDO MENDES VIOTTI, Juiz Auxiliar da Corregedoria

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 9.949-0/6, da Comarca de PORTO FELIZ, em que é apelante UNIÃO SÃO PAULO S.A - AGRICULTURA, INDÚSTRIA E COMÉRCIO, apelado o OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS e interessados USINA RAFARO, USINA PORTO FELIZ e SOCIEDADE AGRÍCOLA LUCRIAN LTDA.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso.

E, assim decidem, de conformidade com os pareceres dos representantes do Ministério Público (fls. 84/90; 95/97) e do MM. Juiz Auxiliar (fls. 100/105).

Se, na espécie, houve inobservância do art. 96 - VI do Estatuto da Terra e de seu Regulamento (art. 35), no tocante ao limite da participação do parceiro proprietário, outra não poderia ser a conclusão.

A matéria é de ordem pública, como foi assinalado.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores NEREU CESAR DE MORAES, Presidente do Tribunal de Justiça e ONEI RAPHAEL PINHEIRO ORICCHIO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, convocado.

São Paulo, 26 de junho de 1989.

(a) MILTON EVARISTO DOS SANTOS, Corregedor Geral da Justiça e Relator

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