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Artigo – Medida Provisória nº 897/2019: inovações e aspectos críticos

16 de junho de 2020

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 897/2019: INOVAÇÕES E ASPECTOS CRÍTICOS PROVISIONAL ACT N. 897/2019: INNOVATIONS AND AND CRITICAL ASPECTS

José Marcelo de C. Lima Filho[1]

 

RESUMO

O agronegócio é indubitavelmente um dos segmentos mais pujantes da economia brasileira. Esta intensa vocação para a agropecuária tem reflexos bastante positivos na nossa balança comercial, tendo em vista a posição do país dentre os principais produtores e exportadores de produtos agrícolas do planeta. Por isso, é papel do governo, por intermédio da formulação de políticas públicas contribuir para fortalecer e desenvolver essa relevante cadeia produtiva. A Medida Provisória n. 897/2019 é uma louvável tentativa de impulsionar o setor primário, promovendo inovações endereçadas a desconcentrar a oferta de crédito rural, estimular a competição entre as instituições financeiras e aprimorar o marco legal dos títulos e valores mobiliários afetos ao setor. O artigo teve como fonte teórica a pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa. A primeira seção aborda o instituto do crédito rural no Brasil. Em seguida, são apresentados alguns aspectos singulares da Medida Provisória, suas inovações e aspectos regulatórios. Finalmente, tece algumas críticas acerca do texto, ainda que passível de aprovação pelo Congresso Nacional. PALAVRAS CHAVE: Crédito Rural. Agronegócio. Cédula de Crédito Rural. Regulação ABSTRACT

Agribusiness is undoubtedly one of the most powerful segments of the Brazilian economy. This intense vocation for agriculture has a very positive impact on our trade balance, given the country's position among the world's leading producers and exporters of agricultural products. Therefore, it is the government's role, through the formulation of public policies, to contribute to strengthen and develop this relevant production chain. Provisional Measure no. 897/2019 is a laudable attempt to boost the primary sector by promoting innovations aimed at deconcentrating the supply of rural credit, stimulating competition among financial institutions, and enhancing the legal framework for sector-related securities. The article had as theoretical source the bibliographical research of qualitative approach. The first section deals with the rural credit institute in Brazil. Following are some unique aspects of the Provisional Measure, its innovations and regulatory aspects. Finally, it makes some criticisms about the text, although it can be approved by the National Congress. KEYWORDS: Rural Credit. Agribusiness. Rural Credit Note. Regulation SUMÁRIO 1 Introdução. 2 Crédito Rural no Brasil. 3 Medida Provisória nº 897/2019. 3.1 Inovações. 3.2 Regulação. 4 Aspectos Críticos. 5 Conclusões. 6 Referências Bibliográficas.

________________________________________ [1]Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006). Especialista em Direito Mobiliário pela Universidade de São Paulo (2004) e em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas (2001). E-mail: [email protected]. Currículo:<http://lattes.cnpq.br/7218704256376167>.

 

1. INTRODUÇÃO

O agronegócio é irrefutavelmente um dos segmentos mais pujantes da economia brasileira. Esta intensa vocação para a atividade agropecuária tem reflexos sobremodo positivos na balança de pagamentos e na geração de divisas, demandando do Poder Público, pelo menos nas cinco últimas décadas, diferenciado esforço normativo endereçado a conformar políticas públicas voltadas a estimular o mercado de crédito, imprescindível ao desenvolvimento do setor.

Como resultado desta estratégia, aliada à irrefutável competência dos empreendedores e na evolução da ciência aplicada ao setor primário brasileiro, proficientes no desenvolvimento de tecnologias de incremento da produtividade e da melhoria na qualidade do produto, o crescimento econômico do Brasil tem sido substancialmente lastreado pelos resultados desta indústria.

À guisa de compreensão, o custeio do ciclo produtivo da atividade agrícola, por exemplo, prescinde de crédito nas suas diversas etapas: no preparo da terra, plantio de sementes, colheita e comercialização. Não houvesse oferta de crédito rural, sobretudo pelo governo, por intermédio de bancos públicos, os vultosos investimentos em bens de capital, assistência técnica especializada, infraestrutura para estocagem, beneficiamento e escoamento da produção, dificilmente se concretizariam.

No afã de melhorar o ambiente de negócios e estimular a participação de outros players do mercado financeiro no nicho do crédito rural, o governo passou a encetar esforços nas searas legal e regulatória, de sorte a criar condições que assegurem estes objetivos. Neste contexto, a edição em 1º de Outubro de 2019, da Medida Provisória nº 897 , evidencia o otimismo dos atores até aqui mencionados em relação ao agribusiness, na medida em que insere no nosso ordenamento mecanismos econômicos e inovações jurídicas que conformam e disciplinam desde o funding, até a aplicação dos recursos captados, sem se olvidar da fiscalização.

O presente artigo tem por objetivo analisar a perspectiva de expansão da oferta de crédito rural no Brasil, a partir das inovações trazidas pela Medida Provisória nº. 897/2019, bem como analisar os aspectos controversos deste texto legal. Para isso a metodologia empregada é baseada no método dedutivo com análise bibliográfica.

O artigo abordará, inicialmente, um breve apanhado sobre o crédito rural no Brasil, para em seguida apresentar a Medida Provisória nº 897, conhecida como MP do Setor Agropecuário, que hora tramita no Congresso Nacional. Ademais, optou-se por um recorte que salienta algumas relevantes inovações trazidas no texto assim como serão abordados aspectos controversos nele inseridos.

2. CRÉDITO RURAL NO BRASIL

À título de contextualização, a evolução histórica do crédito rural no Brasil tem como pedra angular a Lei nº 4.829, que institucionalizou este instrumento econômico em 05 de novembro de 1965. Este diploma inclusive sintetiza o seu conceito, a saber:

Art. 2º Considera-se crédito rural o suprimento de recursos financeiros por entidades públicas e estabelecimentos de crédito particulares a produtores rurais ozu suas cooperativas para aplicação exclusiva em atividades que se enquadram nos objetivos indicados na legislação vigor.

A bem da verdade, desde o princípio da colonização é reconhecida a importância da agropecuária para a economia nacional, destacando-se na história do Brasil os ciclos da cana-de-açúcar, do algodão e do café́, além de outros como o da mandioca, o do milho e, mais recentemente, o da soja (REVISTA DE POLÍTICA AGRÍCOLA, 2004 p.10).

Uma vez constatada a irrefutável vocação do país para o campo graças, dentre outros fundamentos, à abundância de terras agricultáveis, ao microclima apropriado para diversas culturas e mão-de-obra disponível, coube ao governo, ao longo do tempo, estruturar políticas públicas voltadas ao fortalecimento da produção agropecuária, tanto na larga escala, que tem como pilar os Planos Safra, quanto numa perspectiva mais rudimentar, mas não menos relevante sob o ponto de vista socioeconômico, que tem como referência o Pronaf . O que ambas as estratégias têm em comum? A necessidade de crédito, a custear suas diversas etapas.

Em apertada síntese, os referidos programas oficiais abarcam medidas de incentivo à produção de uma predeterminada variedade de produtos, bem como o volume de recursos destinados ao setor primário, sob forma de linhas de financiamento e crédito a juros subsidiados por recursos do Tesouro nacional, como é praxe nos países reconhecidos como grandes produtores, no cenário global. É digno de nota que a crescente demanda pela produção de alimentos e os riscos decorrentes das mudanças climáticas são preocupações gradativamente mais recorrentes a fundamentar a prática de subsídios ao setor agropecuário.

Importante salientar ainda que em outros países, inclusive alguns dos desenvolvidos, que não raro advogam a menor intervenção estatal na economia e estão entre os que mais praticam o protecionismo e investem em subvenção do setor, o instituto do crédito rural resta sobremodo presente, como por exemplo a Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia, o Sistema de Crédito Rural (Farm Credit Sistem) dos Estados Unidos, e o Crédit Agricóle de France da França. (MARTINS, 2010).

A partir da definição do seu marco legal, Lei 4.829/1965, o crédito rural almeja cumprir os seguintes objetivos:

i. Estimular o incremento ordenado dos investimentos rurais, inclusive para armazenamento, beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários, quando efetuados por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural;

ii. Favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização dos produtos agropecuários;

iii. Possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores, notadamente considerados ou classificados como pequenos e médios;

iv. Incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando o aumento da produtividade e a melhoria do padrão de vida das populações rurais e à adequada defesa do solo.

Quanto às finalidades do crédito rural, constata-se o seguinte tripé:

i. Custeio: quando destinado a suportar as despesas do ciclo produtivo;

ii. Investimento: quando é destinado a inversões em bens e serviços que gerem benefícios por mais de um ciclo de produção;

iii. Comercialização: quando atende às despesas de pós-produção, como escoamento do produto rural, distribuição ou beneficiamento.

No que respeita ao marco regulatório do crédito rural, no ordenamento brasileiro vigem os seguintes dispositivos:

i. Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que criou o Sistema Nacional de Crédito Rural (BRASIL, 1965a).

ii. Lei no 4.829, de 5 de novembro de 1965, que institucionalizou o Crédito Rural (BRASIL, 1965b).

iii. Decreto nº 58.380, de 10 de maio de 1966, que aprovou a regulamentação da Lei nº 4.829.

iv. Decreto-Lei nº 167, de 14 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre títulos de crédito rural e dá outras providências (BRASIL, 1967).

v. Lei nº 9.138, de 29 de novembro de 1995, que dispõe sobre o crédito rural, e dá outras providências.

vi. Medidas Provisórias e portarias interministeriais específicas.

vii. Resoluções, circulares, cartas-circulares e normas divulgadas pelo Banco Central do Brasil que compõem o Manual de Crédito Rural (MCR).

No contexto acima delineado, resta evidente que os objetivos precípuos do crédito rural são: fomentar o setor produtivo, estimular os investimentos em tecnologia, aumento da produtividade, sustentabilidade e estimular a geração de renda.

Em termos operacionais, a intermediação dos recursos decorrentes das referidas políticas públicas está ancorada no Sistema Nacional de Crédito Rural, formado por diversos órgão vinculados e articulados entre si, conforme Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Basicamente, integram este sistema: o Banco Central do Brasil (Bacen), Banco do Brasil (BB), Banco da Amazônia (Basa) e Banco do Nordeste (BNB). Como entes vinculados, estão o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), bancos privados e estaduais, caixas econômicas, cooperativas de crédito rural e sociedades de crédito. Finalmente, há também os órgãos articulados que são os órgãos governamentais de desenvolvimento regional e entidades de prestação de assistência técnica, como as agências de fomento.

Obviamente, a atual dinâmica do comércio internacional, num cenário em que o Brasil está posicionado entre os mais relevantes exportadores de produtos agrícolas, tem exigido do Governo um permanente aperfeiçoamento do aparato regulatório, de sorte a manter a competitividade da indústria agropecuária, cada dia mais profissionalizada, diante de mercados cada vez mais exigentes e restritivos, alicerçados em barreiras tarifárias e não-tarifárias, a exemplo das fitossanitárias. Logo, a importância da oferta e do acesso ao crédito, se mostra irrefutável afeta à presente realidade.

É digno de nota que o desafio de ampliar o crédito rural, que até recentemente se lastreava majoritariamente em recursos públicos, depende de um sem número de variáveis como: a estabilidade da economia, alcançada na década de 1990, da redução da interferência do governo no mercado , do fortalecimento do sistema de garantias, de novas linhas de crédito, supedaneadas em parâmetros claramente definidos, de programas de fortalecimento institucional de cooperativas de produtores.

3. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 897/2019

Em setembro de 2019, três importantes atores da estrutura de governo a saber, os Ministérios da Economia, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e o Banco Central. do Brasil submeteram ao crivo da Presidência da República a Medida Provisória n.º 897/2019, dispondo sobre mecanismos de garantias ao crédito rural. O texto contém em seus fundamentos três pilares:

i. Criação de condições para redução das taxas de juros, por meio da ampliação e da melhoria das garantias oferecidas e pela maior concorrência entre instituições financeiras;

ii. Permitir a expansão do financiamento do agronegócio com recursos livres, sobretudo por intermédio do mercado de capitais;

iii. Extensão do mecanismo de equalização de taxas de juros do crédito rural.

Assinada pelo Presidente da República poucos dias depois, a iniciativa legal logo ganhou o apelido de MP do Setor Agropecuário, pois prima facie, teria sido gestada no seio das entidades diretivas do agronegócio e com o aval político da diferenciada frente parlamentar do setor, haja vista a sua especificidade.

Atualmente, a Medida Provisória do Crédito Rural, como preferem chamar os congressistas, encontra-se em tramitação na Comissão Mista especialmente designada para discutir a matéria. Naturalmente, como é peculiar ao processo legislativo, o texto original é passível de alterações.

3.1 INOVAÇÕES MEDIDA PROVISÓRIA Nº 897/2019

O primeiro dos eixos anteriormente citados, tem como medida a criação do Aval Fraterno (FAF), contemplando a criação de fundos garantidores com aval coletivo e solidário de grupos de produtores rurais, empresas das cadeias produtivas e instituições financeiras. Este inovador instituto servirá como garantia subsidiária, que poderá ser utilizada após esgotadas as garantias reais ou pessoais do devedor e se vislumbra a facilitação da renegociação de dívidas ao propiciar garantias adicionais.

Ademais, cria o regime de afetação do imóvel rural vinculado à Cédula de Crédito Imobiliária Rural. Este instituto jurídico é destinado a prestar garantias em operações de crédito contratadas pelo proprietário junto a instituições financeiras.

Dispõe o art. 9º da referida Medida Provisória que:

“Os bens e os direitos integrantes do patrimônio de afetação não se comunicam com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do proprietário ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos, desde que o patrimônio de afetação esteja vinculado a uma ou mais Cédulas Imobiliárias Rurais, na medida das garantias vinculadas à Cédula Imobiliária Rural.”

Segundo a doutrina, quando se fala em afetação quer-se fazer referência à vinculação, ligação ou destinação de alguma coisa a uma finalidade específica. Que determinado bem existe por uma razão prévia ou posteriormente determinada. (GALHARDO, 2004. p. 61). Portanto, o patrimônio de afetação consiste na segregação de bens para efeitos de garantia. Este instituto, no bojo Medida Provisória nº 897 tem o condão de reduzir custos operacionais e melhorar a qualidade das garantias oferecidas pelos produtores rurais, permitindo que o proprietário submeta seu bem imóvel ou fração dele, bem como acessões e benfeitorias nele fixadas ao regime da afetação, utilizando-o para garantir financiamento junto ao mercado financeiro.

Este mecanismo, apesar de já massificado na indústria das incorporações imobiliárias, se torna uma inovação visto a possibilidade de se utilizar na emissão da CIR, o que confere maior segurança ao credor, uma vez que este passa a ter, em caso de inadimplência do produtor rural, autorização imediata e irretratável para se apropriar do imóvel dado em garantia para posterior alienação e recuperação de seus ativos. Assim, a medida teria o potencial de simplificar e ampliar o acesso a recursos financeiros por parte dos proprietários de imóveis rurais, podendo inclusive melhorar as condições de negociação nos financiamentos rurais.

Adicionalmente, e para facilitar a operacionalização da garantia dada pelo patrimônio de afetação, a iniciativa propõe a criação da Cédula Imobiliária Rural - CIR, de emissão exclusiva de proprietário de imóvel rural e que poderá́ ser negociada no mercado de valores mobiliários ou de balcão. A ClR conterá́ autorização irretratável do devedor para que oficial de registro de imóveis proceda, em favor do credor, ao registro de transmissão da propriedade do imóvel constituído como patrimônio de afetação vinculado à ClR. Por fim, enquanto vinculado à CIR, não pode ser alcançado por outros débitos do emissor, exceto as dívidas fiscais, trabalhistas e previdenciárias.

A Cédula de Crédito Rural, nos termos previstos na MP 897, será́ registrada ou depositada em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil (BCB) ou pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a exercer a atividade de registro ou depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários, o que permitirá maior liquidez a esse título de crédito. Adicionalmente, ao facilitar a execução de garantias também de crédito do setor rural deverá impulsionar a oferta de recursos para o setor e contribuir para a redução de custos. Outra inovação diz respeito a possibilidade do proprietário poder destacar parte do imóvel rural para garantir operações de crédito, o que permite com que ele faça mais de uma operação de crédito dando em garantia frações ideais de sua propriedade.

Outra novidade é a criação da Cédula Imobiliária Rural (CIR), título de crédito nominativo, transferível e de livre negociação, que só pode ser emitido pelo proprietário de imóvel rural que houver constituído patrimônio de afetação.

Além disso, este título poderá ser registrado ou depositado para facilitar sua negociação com segurança, fazendo com que este título possa ser negociado em mercado de bolsa e de balcão. Neste aspecto, reservamos para o tópico acerca das controvérsias, uma análise sobre essa proposta em relação ao registro deste tipo de título de crédito.

Espera-se com medidas como esta, que melhoram a qualidade das garantias, incrementar os negócios no setor pecuário. Para ilustrar a pujança desta indústria, no ano agrícola 2018/2019, conforme Matriz de Dados do Crédito Rural – MDCR, BACEN, foram registradas 550.000 operações de crédito rural da agricultura empresarial, totalizando R$ 153 bilhões de reais.

Há expectativa por parte do Ministério da Economia que esta inovação possa beneficiar milhares de estabelecimentos agropecuários com mais de 100ha, cujos produtos são os proprietários da terra, e estarão elegíveis a utilizá-la.

Com efeito, é previsível a redução das taxas de juros, em virtude da ampliação da melhoria das garantias, bem como pela provável ampliação da concorrência entre as instituições financeiras, que atualmente não concorrem, neste nicho, com os bancos oficiais.

Neste diapasão, a medida prevê a equalização da taxa de juros do crédito rural para as demais instituições financeiras do mercado, na medida em que hodiernamente, apenas os agentes inseridos no já referido SNCR têm acesso à equalização . Como resultado esperado, o incremento no montante de operações ou redução dos seus custos.

Como já visto alhures, a produção agrícola tem expressiva participação na economia brasileira, colocando o Brasil como um distinto ator no cenário do agronegócio mundial na notável condição de um dos maiores exportadores, destacando-se pela posição que ocupa na produção, exportação e comércio dos principais itens da pauta do agronegócio. Este pano de fundo permeado de oportunidades, enseja também desafios à criatividade dos formuladores de políticas públicas do setor, sobretudo neste momento de lenta recuperação da economia e de arrocho orçamentário no qual vive o Brasil.

No afã de estimular a atuação de outros entes capazes de viabilizar financiamento do crédito rural, principalmente no mercado de capitais e a pretexto de dar maior transparência e segurança para na negociação do título, a Medida Provisória nº 897 propõe a medidas regulatórias destinadas ao registro ou depósito da Cédula de Produto Rural (CPR) .

Adicionalmente, a iniciativa permitirá a emissão do referido título com correção cambial para investidor não residente ou para lastro de CDCA (Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio) e CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), sendo endereçada portanto à captação de recursos alienígenas. À guisa de ilustração, o estoque registrado de Cédulas de Produto Rural na B3 é de R$ 4 bilhões de reais. O Governo espera a partir desta proposta é de dobrar o volume registrado, aumentando o lastro disponível para outros títulos em mercado.

Ainda no rol das inovações, estão inseridos no texto o aperfeiçoamento do registro do CDA-WA (Certificado de Depósito Agropecuário – Warrant Agropecuário), a pretexto de aumentar a segurança jurídica para negociação do título, a uniformização das normas sobre registro e depósito dos títulos, a permissão para cumprir direcionamento obrigatório da LCA com aquisição de quotas de fundos garantidores de crédito rural e de outros títulos do agronegócio (CPR e CDCA) e normatiza a emissão de CRA no exterior, o que facilitará bastante a captação de recursos de investidores estrangeiros dispostos a destinar ao Brasil, seus excessos de poupança.

Ademais, com o objetivo de facilitar a utilização de títulos de crédito e incentivar novas emissões, há previsão para a uniformização de normas sobre emissão, registro, depósito e assinatura eletrônica em Cédula de Crédito Imobiliário (CCI), Letra de Crédito Imobiliário (LCI), Cédula de Crédito Bancário (CCB), Certificado da Cédula de Crédito Bancário (CCCB), Cédula de Crédito Rural (CCR), Nota Promissória Rural e Duplicata Rural, na patente expectativa de se reduzir custos, aumentar a segurança e facilitar transações. O fato é o que o viés liberal normativo implícito no texto, requer análise mais perfunctória, sob pena de, a pretexto de aprimorar a regulação, se abra mão da transparência e sobretudo da segurança jurídica das operações com os títulos em comento.

O terceiro eixo na estrutura da Medida Provisória nº 897 a merecer destaque, aquela relacionada à extensão do mecanismo de equalização das taxas de juros do crédito rural para qualquer instituição financeira autorizada pelo BACEN, a operar o neste nicho. Como resultado, espera-se maior competição entre as instituições financeiras, na medida em que esta prerrogativa era exclusiva de instituições oficiais. Toda competição é saudável. Ganham os credores, ganham os tomadores do crédito.

3.2 REGULAÇÃO

Como é de amplo conhecimento, a teoria econômica já indica a necessidade de se regularem todos os mercados. A intervenção estatal, através da ação regulatória promove segurança jurídica, estabilidade e eficiência ao mercado, qualquer que seja ele. Assim, no que respeita ao sistema financeiro ela é fundamental para a sua dinâmica e previsibilidade.

Neste contexto, a Medida Provisória nº 897 prevê em diversos dos seus dispositivos a regulamentação da emissão de títulos de crédito na forma escritural por intermédio de sistema eletrônico de escrituração. A entidade responsável deverá ser autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários a exercer a atividade de registro ou depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários, nos termos do disposto na Lei nº 12.810/2013.

Seguramente, o espírito da lei é dinamizar mercado dos títulos de crédito rural e seus congêneres, atribuindo-lhes as virtudes do tripé segurança, celeridade e baixo custo. Não obstante, carece de análise mais profunda a real eficácia, transparência e legalidade em relação ao sistema de registro de garantias atualmente em vigor no nosso ordenamento.

4 ASPECTOS CRÍTICOS

Quanto aos aspectos do texto da Medida Provisória nº 897 passíveis de crítica neste trabalho, destaca-se o Fundo de Aval Fraterno, visto tratar-se de um instituto complexo operacionalmente: “de difícil compreensão e com vários pontos obscuros, a proposta do governo é a criação de um mecanismo onde produtores possam avalizar uns aos outros, no chamado “aval cruzado”” (LUZ, 2019). Este autor acredita que tal proposta não representa benefício ao produtor, visto que o avalista assume a obrigação de eventualmente cumprir a obrigação de outrem. Logo, o benefício é integralmente auferido pelas instituições financeiras, que terão uma camada adicional de garantia.

No que concerne à Cédula Imobiliária Rural, vale relembrar que ela só pode ser emitida se o proprietário do imóvel rural houver constituído patrimônio de afetação sobre o imóvel, e que este seja a garantia da operação de crédito constante da referida cédula, conforme disciplinam os art. 14 e 15 da Medida Provisória.

Umas das críticas quanto a este modelo foi formulada pela Confederação Nacional da Agricultura - CNA, no que se refere a dificuldade para especializar a fração do terreno de propriedade, considerando o alto custo, decorrente sobretudo do necessário custeio do georreferenciamento, e vários outros requisitos documentais que necessitam ser apresentados para realização desta especialização do bem.

A título de ilustração reproduzimos abaixo os documentos que a Medida Provisória impõe para instruir um requerimento de empréstimo junto à instituição de crédito:

“Art. 11. A solicitação de que trata o art. 10 será instruída com:

I - Os documentos comprobatórios:

a) da inscrição do imóvel no Cadastro Nacional de Imóveis Rurais, do domínio do requerente e da inexistência de ônus de qualquer espécie sobre o patrimônio do requerente e o imóvel rural, incluídos aqueles de natureza fiscal; e

b) da regularidade das obrigações ambientais referentes ao imóvel objeto da constituição do patrimônio de afetação;

II - A prova de atos que modifiquem ou limitem a sua propriedade;

III - o memorial em que constem os nomes dos ocupantes e confrontantes com a indicação das respectivas residências; e

IV - A planta do imóvel, obtida a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a Anotação de Responsabilidade Técnica, que deverá conter as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser estabelecida em regulamento.”

Destarte, o patrimônio de afetação do imóvel rural há de ser um instituto hígido mas que em contrapartida carrega em si substancial custo regulatório. As exigências constantes da norma são as mínimas para atender às normas específicas de desmembramento e alienação da propriedade rural para o credor, no caso de o devedor ficar em mora.

Outra crítica da Confederação Nacional da Agricultura concerne à possibilidade de se fracionar a propriedade e obter mais de um financiamento, o que pode vir a fragilizar o produtor rural, visto que nem sempre ele possui uma educação financeira adequada a fim de evitar sua exposição junto aos credores, que com esta forma de garantia, vencida a dívida, podem transferir o imóvel de propriedade do produtor para si, antes de se iniciar qualquer processo de execução, conforme disposto no art. 24 da referida Medida Provisória, in verbis:

“Art. 24. Vencida a Cédula Imobiliária Rural e não liquidado o crédito por ela representado, o credor poderá exercer de imediato o direito à transferência, para sua titularidade, do registro da propriedade da área rural que constitui o patrimônio de afetação ou de sua parte vinculado a Cédula Imobiliária Rural no cartório de registro de imóveis correspondente.”

Ainda no rol das críticas, é digna de nota é que aduz à assimetria na relação entre produtor rural e o credor, visto que é o credor que faz a avaliação da garantia que pode gerar uma desproporcionalidade entre o valor financiado e o valor avaliado do imóvel dado em garantia, o que poderá tornar “comum a perda de uma propriedade por valor bem menor do que ela realmente vale” (LUZ et al, 2019).

Quanto à Cédula de Produto Rural, a crítica feita é sobre a possibilidade de cláusula de variação cambial em CPR-f, que permitirá um maior fluxo de investimento de capital estrangeiro. Há que se levar em conta no entanto, que a referida cláusula significa um risco maior ao produtor rural, visto que sua dívida estará vinculada ao dólar (LUZ, 2019).

A despeito das inúmeras críticas trazidas a lume, a Medida Provisórias nº 897/2019 não extinguiu nenhuma forma de se obter crédito rural. Em contraste, ela ampliou drasticamente o rol de possibilidades jurídicas criando inclusive nova modalidade de cédula de crédito (cédula imobiliária rural). Logo, as formas de financiamento que já vigoravam, permanecerão, tendo o produtor e o proprietário rural a possibilidade de optar pelas novas modalidades.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Medida Provisória nº 897, a despeito das críticas colacionadas e segundo se conclui neste trabalho, sistematiza um substancial conjunto de medidas jurídicas relevantes para o fortalecimento e dinamização do instituto do crédito rural no Brasil, num cenário em que a retomada do crescimento econômico tem como importante eixo, o setor agropecuário.

A sua vigência será de grande valia diante da necessidade premente de se estimular a concorrência no mercado de sorte a ampliar o oferecimento de crédito rural. Ademais, fica evidente a predisposição do Governo em abrir novos mercados, atraindo capital estrangeiro para desenvolver o nicho agropecuário. Neste contexto, claro está o animus de atacar os gargalos relacionados às garantias das operações e em balancear a relação assimétrica e desigual entre o produtor rural e o credor.

Contudo, como prescreve a solenidade atinente a uma medida provisória, há necessidade de aprovação pelo Congresso Nacional. Há que se ponderar ainda, a enorme a probabilidade de que o texto sofra aportes ou supressões na sua redação, modificando o resultado que se busca na origem. Há que se monitorar ainda a efetividade da medida, no sentido de atender a contento aos anseios do mercado financeiro e dos produtores rurais, de necessidades e lastro bastante heterogêneos. Portanto, o cenário aqui descrito e as perspectivas apresentadas, nada mais são do que recortes conjunturais, passíveis de internalização, dependendo de uma grande variedade de fatores.

6 REFERÊNCIAS

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BACEN, Matriz de Dados do Crédito Rural – MDCR, disponível em https://dadosabertos.bcb.gov.br/dataset/matrizdadoscreditorural. Acessado em 17 de novembro de 2019.

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Manual de Crédito Rural do Banco Central do Brasil. Disponível na internet: https://www3.bcb.gov.br/mcr/completo. Acessado em 16 de novembro de 2019. MARTINS, Alberto André Barreto. CRÉDITO RURAL. Evolução histórica, aspectos jurídicos e papel do conselho monetário nacional e do banco central do Brasil, 2010, Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-73/credito-rural-evolucao-historica-aspectos-juridicos-e-papel-do-conselho-monetario-nacional-e-do-banco-central-do-brasil/.Acessado em: 15 de novembro de 2019.

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