íntegra
PROCESSO Nº 0000035-30.2018.8.26.0486 - SÃO PAULO - C.T.D.. - ADVOGADO: DANIELA FREITAS GENTIL DE ALMEIDA PEDROSO, OAB/SP 385.685. - (410/2018-E) - DJE DE 29.10.2018, P. 8.
Processo Administrativo Disciplinar – Tabeliã de Notas e de Protestos de Letras e Títulos - Sentença que condenou a Tabeliã à perda da delegação - Recurso administrativo - Recolhimento a menor do valor devido a título de imposto de renda - Divergências e ausência de informações lançadas no Portal do Extrajudicial - Descontrole administrativo e financeiro da Unidade – Precariedade das instalações da serventia e da má organização dos trabalhos - Falta disciplinar caracterizada – Pena de perda da delegação que se mostra elevada, no caso concreto - Recurso parcialmente provido para aplicar a pena de suspensão.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
Trata-se de recurso administrativo interposto pela Tabeliã de Notas e Protestos de Letras e Títulos da Comarca de SP contra decisão do MM.º Juiz Corregedor Permanente que lhe aplicou a pena de perda da delegação. Alega a recorrente, em síntese, que: a) houve cerceamento de defesa, pois o Magistrado que aditou a portaria inaugural sequer esteve no local dos fatos, certo que não existem provas que confirmem as impressões consignadas pelo Corregedor Permanente que realizou a correição ordinária naquilo que diz respeito à desorganização da serventia, tendo sido a decisão proferida com base em descrições genéricas e superficiais e sem que lhe fosse dado prazo para eventual regularização; b) não foi realizada perícia contábil para comprovação do suposto recolhimento a menor do valor devido a título de imposto de renda no ano de 2017, aduzindo que eventuais diferenças poderiam ser ajustadas até o prazo final para apresentação de declaração de bens; c) porque nada constou da ata de correição a respeito das apontadas irregularidades nas guias de recolhimento de imposto de renda, bem como porque somente veio a saber dos fatos que lhe são imputados com a edição da Portaria que a afastou da serventia, ficou impossibilitada de ter acesso a seus documentos pessoais e, com isso, impedida de exercer seu direito à ampla defesa; d) a prática de repasse da renda líquida aos prepostos configura prática recorrente nas serventias extrajudiciais, pois os escreventes recebem comissões sobre os trabalhos realizados; e) embora os repasses das comissões tenham ocorrido de forma equivocada, não houve dolo ou má fé, mas descuido na gestão financeira da unidade; f) as correções feitas às vésperas da correição junto ao Portal do Extrajudicial visaram sanar algumas irregularidades constatadas nos lançamentos efetuados ao longo do ano, sendo que os valores que permanecem errados são poucos e de pequena monta; g) as contas mencionadas na Portaria estavam pagas na data da correição ordinária e que, a despeito de não terem sido quitadas nos respectivos vencimentos, não houve dano concreto; h) os débitos junto à prefeitura estavam agendados para pagamento no aplicativo de internet do banco, não se atentando ao fato de que não ocorreu o respectivo débito, ressaltando que a dívida é ínfima; i) até 2015, o ISS não integrava os emolumentos, devendo ser pago pela pessoa física, sendo que, depois disso, começou a realizar os repasses à Municipalidade, com quem celebrou acordo para parcelamento dos valores em aberto; j) o lançamento em duplicidade da quantia de R$ 155,00, relativa a despesas com escritório de contabilidade, não ocorreu por dolo ou culpa, mas sim por mero equívoco; l) a despeito de fazer o arquivamento apenas dos comprovantes de pagamento das despesas, passou a realizar também o arquivamento das respectivas notas fiscais depois de ter sido orientada nesse sentido; m) os valores não repassados aos credores dizem respeito a um mesmo período, qual seja, as festas de final de ano e férias, de forma que o repasse, ocorrido em média no prazo de dez dias, não configura má fé ou locupletamento ilícito, tampouco trouxe prejuízo aos credores ou insegurança jurídica; n) não há qualquer tipo de relacionamento com seu substituto, Antonio Augusto Milanez, a não ser profissional, de forma que a nomeação de um interventor mostra-se ilegal; o) não há fundamento legal para o afastamento do escrevente Matheus Messias Rodrigues, seu namorado; p) a imputação e a condenação, fundadas no art. 31, inciso I, da Lei 8.935/94, são vagas e genéricas, razão pela qual seria caso de absolvição; q) na hipótese de manutenção da condenação, deve ser aplicada outra penalidade, mais branda; r) decorrido o prazo de 90 dias de afastamento e sua prorrogação de mais de 30 dias, deve retornar à serventia extrajudicial.
É o relatório.
Opino.
O presente procedimento administrativo disciplinar teve início pela Portaria nº 01/2018, do MM.º Juiz Corregedor Permanente, que imputou à recorrente a prática dos seguintes fatos:
1) Pagamento a menor do valor devido a título de imposto de renda, no período de janeiro de 2016 a outubro de 2017;
2) Prestação dos serviços delegados em desacordo ao disposto no item 20, da Seção I, do Capítulo XIII, das NSCGJ, ante a falta de espaço para atendimento ao usuário; precariedade de assentos para espera; pouca luminosidade; desorganização do material de trabalho; ausência de separação entre a área de atendimento ao público e o arquivo da serventia e a residência da Tabeliã; falta de banheiro adequado ao uso da população e de difícil acesso aos portadores de necessidades especiais (item 88, d, Seção I, do Capítulo XIII, das NSCGJ); baixa luminosidade e aspecto de falta de zelo para com a limpeza e organização na sala da Tabeliã (item 88, d, Seção I, do Capítulo XIII, das NSCGJ); ambiente não propício ao atendimento do usuário que necessitasse ou solicitasse sigilo (item 88, f, Seção I, do Capítulo XIII, das NSCGJ).
3) Constatação, no imóvel utilizado como residência pela Tabeliã, acoplado ao Cartório, de extrema desorganização e falta de higiene, com depósito de lixo em todos os ambientes;
4) Atraso de pagamento nas despesas ordinárias da Unidade, como internet (vencimento em 12.09.2017 e pagamento em 18.10.2017) e energia elétrica (vencimento em 26.09.2017 e pagamento em 08.11.2017; vencimento em 26.10.2017 e pagamento em 04.12.2017), bem como não apresentação da conta de energia elétrica com vencimento em 26.11.2017 e da conta de água com vencimento provável em 17.12.2017;
5) Lançamento em duplicidade de despesas com escritório de contabilidade no valor de R$ 155,00, sendo exibido apenas um recibo, desacompanhado da respectiva nota fiscal, além de outras despesas lançadas sem a apresentação das respectivas notas fiscais (aquisição de cartão de assinatura e de capa para livro das empresas SRMendes e JSGráfica – outubro de 2017); aluguel de impressora (16.10.2017); aquisição de softwares da empresa Insight Tecnologia de Informática Ltda. (18.10.2017).
Houve aditamento à Portaria inaugural e, por intermédio da Portaria nº 02/2018, foi imputada à recorrente, também, a prática dos seguintes fatos:
6) Os valores recebidos pela Tabeliã, decorrentes dos pagamentos dos títulos apresentados a protesto, não são repassados aos credores no prazo previsto em lei, conforme se verifica em relação aos títulos protocolados em 15.12.2017, no valor de R$ 1.187,87, em nome de Abdiel Birkenr dos Santos, e no valor de R$ 778,25, em nome de Abis Machines Ind. e Comércio de Máquinas Ltda., cujo pagamento foi feito em 08.01.2018, com repasse em 31.01.2018, dentre outros devidamente especificados (itens 1 a 27), contrariando o disposto no art. 19, § 2º, da Lei 9.492/97, bem como as NSCGJ, item 69, subitem 69.1, configurando, em tese, a infração prevista no art. 31, inciso I, da Lei 8.935/94;
7) Divergências e ausência de informações que deveriam ser obrigatoriamente lançadas no Portal do Extrajudicial, relativas aos meses de janeiro a novembro de 2017, o que configuraria, em tese, a infração prevista no art. 31, inciso I, da Lei 8.935/94;
8) Existência de débitos junto à Prefeitura de Quatá/SP, referentes à Licença vencida em 15.03.2017, no valor de R$ 60,30; ISS vencidos em 17.04.2017, 15.05.2017 e 15.12.2017, no total de R$ 671,42; não pagamento da prestação nº 1 do parcelamento tributário, vencida em 15.12.2017, no valor de R$ 1.270,39, o que configuraria, em tese, a infração prevista no art. 31, inciso I, da Lei 8.935/94.
Desde logo, há que ser afastada a alegada ocorrência de nulidade por cerceamento de defesa. A competência do MM.º Juiz Corregedor Permanente para presidir o processo administrativo disciplinar e aplicar pena em face do Titular de Delegação extrajudicial mantém consonância com o poder de fiscalização e punição, como reiteradamente decidido em precedentes desta Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, do Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça e do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
"MANDADO DE SEGURANÇA - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO EM FACE DO OFICIAL DO 2º CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS – IMPOSIÇÃO DA PENA DE PERDA DA DELEGAÇÃO POR JUIZ CORREGEDOR PERMANENTE - IMPETRAÇÃO CONTRA ATO DO DESEMBARGADOR CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA QUE NEGOU PROVIMENTO A RECURSO ADMINISTRATIVO, MANTENDO A SENTENÇA PUNITIVA – SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA DELEGADA E MEDIDA PREVENTIVA QUE NÃO SE CONFUNDE COM A PENALIDADE DE PERDA DA DELEGAÇÃO PREVISTA NOS ARTIGOS 32, INCISO IV, E 35, INCISO II, AMBOS DA LEI FEDERAL Nº 8.935/94 COMBINADOS COM O ARTIGO 32, INCISO IV, DO CAPÍTULO XXI DAS NORMAS DE SERVIÇO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DE SÃO PAULO - INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM - DESNECESSIDADE, ADEMAIS, DE NOMEAÇÃO DE COMISSÃO PROCESSANTE - TITULARES DAS DELEGAÇÕES QUE ESTÃO SUJEITOS AO PODER CENSÓRIO - DISCIPLINAR DO JUIZ CORREGEDOR PERMANENTE OU DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA, QUE DETÊM COMPETÊNCIA PARA INSTRUÇÃO E JULGAMENTO DOS RESPECTIVOS PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS - INFRAÇÃO DISCIPLINAR GRAVÍSSIMA RECONHECIDA NA VIA ADMINISTRATIVA - AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE VALORES DEVIDOS AO ESTADO E À CARTEIRA DE PREVIDÊNCIA DAS SERVENTIAS NÃO OFICIALIZADAS DA JUSTIÇA, EM DESRESPEITO ARTIGO 19, INCISO I, LETRAS 'B' E 'C, DA LEI ESTADUAL Nº 11.331/2002 – DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO – SEGURANÇA DENEGADA". "O legislador federal, no exercício de sua atribuição constitucional, regulamentou o artigo 236 da Carga Magna editando a Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Cartórios), estabelecendo em seu artigo 35, incisos I e II, que a perda da delegação dependerá de sentença judicial transitada em julgado ou de decisão decorrente de processo administrativo instaurado pelo juízo competente, assegurado amplo direito de defesa". "No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, os titulares da delegação estão sujeitos ao poder censório-disciplinar das Corregedorias Permanentes e da Corregedoria Geral da Justiça (artigo 19, do Capítulo XXI, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça), o que implica reconhecer a regularidade do p processo administrativo instaurado, instruído e decidido pelo MM. Juiz Corregedor Permanente a que se encontra subordinado o notário". (TJSP; Mandado de Segurança nº 2171578 - 07.2017.8.26.0000; Relator (a): Renato Sartorelli; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 08/11/2017; Data de Registro: 09/11/2017).
Como se vê, cuidando-se de procedimento administrativo disciplinar em que teve a recorrente direito ao contraditório e ampla defesa, não há nulidade decorrente da apuração preliminar dos fatos, da instrução probatória e do julgamento a serem realizados pelo Juiz a quem foi atribuída a Corregedoria Permanente em conformidade com as normas de Organização Judiciária do Estado de São Paulo.
Também não era caso de se determinar a produção de prova pericial contábil, na medida em que desnecessária. Com efeito, tendo a Tabeliã confessado que realizava pagamento de comissões a seus escreventes sem a devida contabilização, é evidente que, com isso, reduzia sua renda líquida, o que leva ao pagamento de impostos em valor menor que o efetivamente devido.
Nem mesmo o fato de nada constar a respeito do recolhimento irregular dos valores devidos a título de Imposto de Renda na ata de correição lhe favorece. Isso porque, tendo sido descritos os fatos na Portaria que ensejou a abertura do procedimento administrativo, à Tabeliã foi concedida oportunidade para manifestação a respeito e produção das provas que entendesse necessárias, inclusive juntada de documentos.
Superadas as preliminares arguidas, impõe-se ressaltar que a recorrente, em seu depoimento pessoal e também nas diversas manifestações lançadas nos autos, admitiu a veracidade de todos os fatos narrados na Portaria inaugural e na Portaria de aditamento, buscando, contudo, justificar as faltas funcionais que, em tese, haveria cometido.
Resta analisar, pois, se as justificativas apresentadas são suficientes para descaracterizar a correspondente infração disciplinar. Vejamos:
Com relação ao recolhimento a menor do valor devido a título de imposto de renda, sustenta a Tabeliã que, por ser tributada como pessoa física, está autorizada por lei a abater despesas com dependentes. Ademais, alega repassar aos prepostos Antonio e Matheus um percentual de sua renda líquida, a título de comissão, de forma que os cálculos em que fundamentada sua penalização não podem ser feitos de forma tão simplista. Diz que não houve má fé no repasse feito de forma equivocada, mas mero descuido na gestão financeira da Unidade, o que também ensejou pequenas divergências apresentadas nos lançamentos efetuados no Portal do Extrajudicial, assim como o atraso no pagamento das contas, o lançamento em duplicidade da despesa na ordem de R$ 155,00 e a não quitação dos débitos para com a Municipalidade.
Ora, ainda que admitida, em tese, a possibilidade de abatimento das despesas com dependentes da pessoa física na declaração de bens para fins de imposto de renda, é certo que a alegada prática recorrente nas serventias extrajudiciais relativa ao pagamento de comissões aos prepostos pelos trabalhos realizados, mediante acordo verbal e sem lançamento no livro diário, não encontra amparo legal e, portanto, não serve de escusa para redução da base de cálculo do tributo devido.
E o fato de não ter sido notificada pela Receita Federal não favorece a Tabeliã, na medida em que a responsabilidade administrativa e tributária possuem esferas independentes, sendo, portanto, irrelevante a atuação do fisco para fins de configuração de infração disciplinar.
A imputação relativa à diminuição do resultado positivo da delegação que, eventualmente, também poderá resultar em responsabilidade na esfera tributária e, quiçá, penal, inegavelmente caracteriza, no que interessa ao presente procedimento, inobservância das prescrições legais ou normativas e conduta atentatória às instituições notariais e de registro.
Veja-se que nos termos do item 20.3 do Capítulo XIII das NSCGJ: "Os notários e registradores, sob pena de responsabilidade, prestarão e manterão atualizadas conforme os prazos fixados todas as informações do Portal do Extrajudicial da Corregedoria Geral da Justiça o Portal Justiça Aberta do Conselho Nacional de Justiça". Sendo obrigatório o acesso diário ao Portal do Extrajudicial (Parecer Normativo n° 119/08-E), patente se mostra a violação, no caso concreto, do referido dispositivo normativo, assim como dos deveres dos incisos I e III do art. 30 da Lei 8.935/94.
Ademais, o reconhecimento por parte da Tabeliã de que houve descuido na gestão financeira da Unidade extrajudicial, inclusive com atraso no pagamento de contas, prestação de informações equivocadas ao Portal, não cumprimento de compromissos tributários perante a Municipalidade e lançamento de despesas em duplicidade, ainda que de pequena monta, é mais que suficiente para configurar a prática da infração administrativa pela delegatária.
Com efeito, esse descontrole administrativo e financeiro da Unidade é conduta que, evidentemente, não se espera de uma delegatária, profissional escolhida pelo Estado por meio de concurso público e a quem se impõe uma gestão adequada da serventia que lhe é outorgada.
Por outro lado, no que diz respeito às instalações da serventia e da má organização dos trabalhos, reconhece a Tabeliã que não há completa separação e independência entre os cômodos do imóvel utilizados para prestação dos serviços delegados e aqueles utilizados como sua residência. Afirma que essa situação foi autorizada pelo Juiz Corregedor Permanente, à época em que formulado pedido nesse sentido, ressalvando que o prédio é limpo, bem arrumado, com espaço suficiente e adequado ao atendimento dos usuários, inclusive aqueles que necessitam de sigilo. Reconhece, porém, a existência de apenas um banheiro químico nas dependências da serventia, esclarecendo que o outro banheiro, localizado em prédio anexo, servia momentaneamente como cozinha para sua residência, que estava em reforma. Destaca a dificuldade de encontrar imóveis compatíveis às necessidades da serventia, na cidade, mas assegura que isso nunca interferiu na qualidade dos serviços prestados, tanto que nada havia sido determinado, a respeito, na ata de correição.
As testemunhas inquiridas confirmaram a precariedade das instalações, mas asseguraram que nunca tiveram nenhum problema decorrente das condições do imóvel, ou do fato de residir a Tabeliã no mesmo local.
De seu turno, as fotografias acostadas aos autos (fls. 517/519) refletem, em parte, o estado em que encontrado o local por ocasião da certidão lançada pelo Sr. Oficial de Justiça quando do cumprimento do mandado de constatação expedido para o endereço em que instalada a serventia. A propósito, foi constatado que: “o cartório possui uma porta lateral de madeira que dá acesso a garagem, piscina e do anexo onde está instalada a cozinha e um banheiro da residência, onde atualmente reside a mãe da Tabeliã (...). Os demais cômodos da residência são uma dispensa, um banheiro, uma sala de estar, uma sala de jantar, um quarto comum e duas suítes, sendo que em uma das suítes o banheiro estava com papéis jogados pelo chão e no quarto roupas espalhadas pela cama e também pelo chão. No cartório foram localizadas seis pastas encerradas no chão do arquivo e o banheiro do cartório é químico e estava com urina no vaso e o chão sujo (...)” (fls. 155).
Daí porque, a despeito de não estar confirmado o efetivo prejuízo ao sigilo necessário à prática de determinados atos, mostra-se inquestionável a precariedade das instalações físicas da Unidade extrajudicial, incompatíveis com as exigências contemporâneas. Patente, pois, a violação dos itens 20, 20.1., a, c e g, e 88, d, do Capítulo XIII das NSCGJ e dos deveres do art. 30, incisos I, II, V e X, da Lei 8.935/94.
No mais, restou admitido pela recorrente, e reconhecido pela r. decisão recorrida como fato caracterizador de falta administrativa, o retardamento no repasse aos credores, ou o repasse parcial, dos valores recebidos em pagamento dos títulos apresentados a protesto, em violação ao disposto na Lei 9.492/97, na Lei 8.935/94 e nas NSCGJ.
Busca a Tabeliã justificar sua conduta ao argumento de que no sistema da CRA – Central de Remessa de Arquivos, mantido pelo IEPTB – Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil e utilizado para o chamado protesto eletrônico por credores devidamente conveniados, o repasse de valores se dá por intermédio da emissão de cheque nominal aos credores ou transferência para uma conta específica em nome da própria Central, ensejando uma demora de aproximadamente dez dias até que o dinheiro chegue ao respectivo credor. Além disso, anteriores casos de roubo de malotes e o aumento nas despesas da serventia decorrentes da utilização de TEDs serviriam, no entender da recorrente, para autorizar o repasse de valores uma vez por semana ou a cada quinze dias, como é de costume nas Comarcas do interior, certo que não houve dolo na retenção do dinheiro. Ainda, afirma que o repasse a menor ocorreu por falha do preposto Matheus, sanada posteriormente.
Trata-se dos valores pagos pelos devedores de títulos apresentados a protesto que, por óbvio, teriam que ser entregues dentro do prazo estabelecido pelas NSCGJ aos credores dos títulos. Sobre o tema, preceituam as NSCGJ no Capítulo XV:
69. O Tabelião, no primeiro dia útil subsequente ao do recebimento do pagamento, colocará o dinheiro ou o cheque de liquidação à disposição do credor ou apresentante autorizado a receber, mas somente promoverá a entrega mediante recibo, do qual constará, em sendo o caso, o valor da devolução do depósito das custas, dos emolumentos e das demais despesas.
69.1. Na hipótese do título ou documento de dívida ser pago em dinheiro, o Tabelião poderá creditar o valor em conta bancária indicada pelo apresentante, mediante transferência eletrônica ou depósito, a ser efetivado dentro do prazo do item anterior, e arquivará, nesse caso, cópia do comprovante de transferência ou de depósito.
Em se tratando de título enviado a protesto via Central de Remessa de Arquivos (CRA), o prazo para entrega ao credor do valor relativo ao título pago pelo devedor também é exíguo. Nesse caso, ocorrido o pagamento do título, o Tabelião, até às 12h do dia subsequente, enviará o chamado arquivo RETORNO, informando o pagamento (cf. item 130, IV, c.c item 132, IV, do Capítulo XV das NSCGJ) e, no dia útil subsequente ao envio, efetuará o repasse dos valores pagos, em conformidade ao disposto no item 134 do Capítulo XV das NSCGJ.
A recorrente, no entanto, em vez de repassar imediatamente ao credor os valores recebidos por títulos enviados a protesto, optou por assim fazer quando melhor lhe parecesse, inclusive de forma parcelada ou em valor inferior ao recebido, ainda que por culpa de seu preposto.
Nada justifica que aqueles que apresentam os títulos a protesto sejam privados do valor devidamente pago pelos devedores, de maneira que a recorrente quebrou a confiança que lhe foi depositada pelos credores apresentantes, violando o disposto no art. 19 da Lei 9.492/97 e, assim, cometendo a infração disciplinar prevista no art. 31, incisos I e V, da Lei 8.935/94.
Nesse cenário, resultam caracterizadas faltas administrativas que ensejam a aplicação da respectiva sanção.
Em que pese se tratar de conduta reiterada (fls. 334), os fatos referem-se a atrasos no pagamento e repasse de valores, além de incorreções nas informações prestada no Portal do Extrajudicial e às más condições do prédio em que instalada a serventia. Ademais, os valores não eram de grande monta e acabaram sendo pagos ou renegociados em quase sua totalidade, de maneira que as faltas cometidas pela recorrente não evidenciam intenção de obter enriquecimento pessoal, muito embora mostrem descontrole no gerenciamento administrativo e financeiro da Unidade que, por certo, deverá ser solucionado de uma vez por todas.
Por tais razões, é possível, no caso concreto, a redução da pena para a de suspensão por 90 dias, como previsto nos arts. 32, inciso III, e 33, inciso III, da Lei nº 8.935/94.
Diante do exposto, o parecer que submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de que seja dado parcial provimento ao recurso para reduzir a pena disciplinar aplicada para a de suspensão por 90 dias, com fundamento nos arts. 32, inciso III, e 33, inciso III, da Lei nº 8.935/94.
Sub censura.
São Paulo, 02 de outubro de 2018.
STEFÂNIA COSTA AMORIM REQUENA
Juíza Assessora da Corregedoria
DECISÃO
Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou parcial provimento ao recurso interposto para reduzir a pena disciplinar aplicada para a de suspensão por 90 dias, com fundamento nos arts. 32, inciso III, e 33, inciso III, da Lei nº 8.935/94.
Em 60 dias, em expediente próprio, e com a ata da Correição anual, à Equipe, para acompanhamento das condições da Serventia Extrajudicial.
Publique-se.
São Paulo, 17 de outubro de 2018.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça
Vide:
- PAD 0000035-30.2018.8.26.0486