A registradora de imóveis no 1º Ofício de Poxoréu, Maria Aparecida Bianchin Pacheco, apresentou o artigo “Alienação fiduciária de produtos e subprodutos agropecuários no Registro de Títulos e Documentos” no webinar “Pesquisas científicas na atividade notarial e registral”, realizado neste sábado (5 de dezembro) pela Escola Mato-grossense de Notários e Registradores (Emnor).
“Tive vontade de estudar esse tema por conta das alterações introduzidas pela Lei do Agro. Já existia no nosso ordenamento jurídico a previsão de alienação fiduciária de bens moveis fungíveis ou semoventes, não exatamente pelo Código Civil, que prevê a propriedade resolúvel e fiduciária, mas para bens infungíveis. A Lei 10931/2004 trouxe alteração para a Lei 4728, que trata de mercado de capitais no âmbito financeiro, e introduziu o artigo 66-B, prevendo a possibilidade da alienação fiduciária de bens móveis fungíveis no âmbito das instituições financeiras”, destacou.
Segundo Maria Aparecida Bianchin Pacheco, a novidade veio com a Lei 13986/2020, resultado da conversão da medida provisória do Agro “permitindo que na cédula de produto rural financeira possa se dar quaisquer garantias, inclusive a possibilidade de alienação fiduciária de produtos agropecuários e seus subprodutos, que pode recair sobre bens futuros. Essa modalidade de garantia em que há desdobramento da propriedade, passando-se o domínio indireto para o credor e permanecendo o devedor com o domínio direto, ou seja, com a posse dos bens, ela pode ocorrer em relação a bens futuros como lavoura ainda em formação ou que será formada. Se estende, também, a todos os subprodutos, que podem ser decorrentes de industrializações, modificações para comercializações ou até mesmo resíduos de produtos agropecuários”.
Ela explicou que logo que houve a conversão da MP em lei, os registradores do Estado receberam “uma espécie de consulta formulada pela assessoria jurídica da Amaggi. Algumas argumentações estavam relacionadas justamente à questão da alienação fiduciária de bens móveis fungíveis. Por que isso tem gerado muitas dúvidas? Primeiro porque é um instituto novo no âmbito privado e também porque temos outra garantia real, denominada penhor rural que pode recair sobre lavouras pendentes, produtos e subprodutos agropecuários”.
Conforme Maria Aparecida Pacheco, “esse registro do penhor rural é constituído pelo registro no cartório de registro de imóveis, no Livro 3 Auxiliar. A alienação fiduciária dos produtos e subprodutos agropecuários é constituída pelo registro da garantia no cartório de títulos e documentos. Mas, em qual cartório de títulos e documentos? A Lei 6015 define que a competência do registrador, a atribuição do registrador de títulos e documentos está ligada ao domicilio das partes contratantes. A Lei 6015 é anterior ao Código Civil de 2002, que trouxe mudança bastante significativa em termos de conceito de domicílio. Se no Código Civil anterior tínhamos possibilidades menores de quantias de domicílios, no atual a pessoa pode ter tantos domicílios quantas forem suas residências. Outros domicílios também são considerados, como é o caso do domicílio profissional. A insegurança que percebemos, eu, enquanto relatora desse caso da Amaggi, no contato com a assessoria jurídica da empresa, e a insegurança que também percebo nos demais credores que regularmente tem apresentado cédulas com essa garantia em títulos e documentos, é justamente a multiplicidade de domicílios que a pessoa pode ter. Essa insegurança vem porque não se sabe exatamente onde é que a pessoa pode registrar, pois ela pode registrar em qualquer de seus domicílios aquela alienação fiduciária, enquanto que, no penhor rural, ela só tem um local específico, que é o local onde a lavoura será plantada”.
Na avaliação da registradora de imóveis, isso “é um transtorno também para o produtor rural pelo fato de que ele se vê compelido a buscar uma série de certidões em várias possibilidades de domicilio dele. Temos visto alguns credores exigindo do produtor que vai tomar o crédito a financiar até a própria declaração de imposto de renda para identificar o domicilio tributário daquela pessoa e se assegurar se naquele domicílio já não existem bens alienados fiduciariamente. Em que pese a Lei do Agro ser recente, já tínhamos a previsão dessa possibilidade de garantia no âmbito do mercado financeiro. Tudo isso traz reflexo para todos nós e contribui com a possibilidade de haver escassez no crédito. A insegurança jurídica que isso tem gerado consiste no fato de que podemos ter garantias sobre bens por antecipação, como é o caso da lavoura pendente, em registro de imóveis da localização da lavoura, e também em vários títulos e documentos”.
Maria Aparecida Pacheco lembrou que, em Mato Grosso, há uma previsão na Consolidação das Normas da Corregedoria Geral da Justiça (artigo 1355), que repete o artigo 72 do Código Civil, o qual considera domicílio do devedor o lugar onde ele estabelece sua residência e com animus definitivo, bem como o lugar onde exerce sua atividade de produtor rural, nos termos do artigo 70 e seguintes do Código Civil.
“No estudo, observamos uma relativização da alienação fiduciária de bens imóveis no âmbito da recuperação judicial do empresário rural porque, não só na alienação fiduciária de bens imóveis, mas também em relação aos bens oferecidos em penhor rural, pois esses bens oferecidos em penhor rural são chamados à massa concursal, enquanto que os bens alienados fiduciariamente não vão integrar essa massa”.
Por fim, Maria Aparecida Pacheco registrou que entende haver relativização, “uma vez que o credor, mesmo consolidado na propriedade, se viu obstruído de se imitir na posse de um bem que já era dele, haja vista que a justiça vem considerando que esse imóvel rural, eventualmente oferecido em alienação fiduciária, trata-se de bem essencial”.