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Registradora de imóveis em Poxoréu, Maria Aparecida Pacheco fala sobre o importante papel dos cartórios em prol do agronegócio brasileiro

18 de agosto de 2020

     Há mais de 18 anos como titular do 1º Ofício do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos de Poxoréu, no interior do Mato Grosso, Maria Aparecida Bianchin Pacheco é um dos principais nomes do Direito Notarial e Registral relacionado ao agronegócio no País. Presente em diversas discussões que envolvem a atividade, tem sido uma das referências nas discussões advindas da nova Lei do Agro, que modifica institutos importantes no trabalho dos Cartórios brasileiros.

     Apesar de ter pais pecuaristas e conhecer um pouco sobre a atividade, Aparecida começou a ter mais contato com a agricultura e a pecuária em dezembro de 2018, quando o marido faleceu, vítima de um câncer. De lá para cá, Aparecida tem se desdobrado nas funções de registradora – assumindo também a interinidade do 1º Ofício de Barra de Garças -, e na condução das atividades pecuárias da família.

     Diplomada em Direito e pedagogia, graduada em Ciências Físicas e Biológicas, com pós-graduação em Direito Notarial e Registral, conta, em entrevista à Revista Cartórios com Você, como conduz sua atividade como produtora rural, fala da representatividade das mulheres no agronegócio e os avanços proporcionados com a Lei do Agro. Segundo a registradora de imóveis, “a mulher precisa provar o tempo todo que tem competência para atuar nesse espaço que tradicionalmente é ocupado por homens”.

     

 

     CcV - Além de ser registradora de imóveis, você também é produtora rural. Quais são os maiores desafios da produção rural no Brasil?

     Maria Aparecida Pacheco - A pecuária brasileira tem experimentado um grande desenvolvimento nas últimas décadas, destacando-se no cenário mundial de produção de carne. Porém, esbarra atualmente em desafios para seguir em frente, dentre eles, os principais são: a viabilidade econômica em adequação com as exigências ambientais, a contabilidade adequada do empreendimento rural para conhecimento dos custos de produção e lucros, encontrar mão de obra preparada, a forte concorrência da carne bovina no mercado, conciliar o aumento da produtividade com a geração de renda e emprego e a redução dos impactos ambientais.

     O caminho apontado para superar esses desafios sugere a profissionalização da atividade, gestão administrativa e financeira mais eficientes, com adoção de novas tecnologias que permitam aliar as atividades do campo à técnicas e ferramentas que preservem a natureza e, ao mesmo tempo, não comprometam sua produtividade.

     CcV - Segundo o IBGE, existem no país mais de 4 milhões de estabelecimentos de produtores rurais masculinos, e apenas 946 mil estabelecimentos de mulheres. Como vê essa questão da representatividade da mulher no agro?

     Maria Aparecida Pacheco - A exemplo de muitas dessas mulheres, fiquei viúva e tive que assumir o comando dos negócios na pecuária de forma abrupta, e a primeira atitude que tomei, passado o impacto inicial, foi profissionalizar minha atuação e gestão na área. Fiz vários cursos práticos e, atualmente, curso uma especialização em gestão e planejamento na pecuária de corte, cujo aprendizado tem sido importante para a tomada de decisões acertadas. Ainda que algumas mulheres estejam mais adiantadas e exerçam a atividade há mais tempo e com maior conhecimento de causa, ainda há muito que desbravarmos para que as mulheres da agropecuária tenham maior representatividade. A exemplo de outros setores da economia, a mulher precisa provar o tempo todo que tem competência para atuar nesse espaço que tradicionalmente é ocupado por homens.

     CcV – Como fazer para alterar esta realidade?

     Maria Aparecida Pacheco - A profissionalização e a troca de experiência entre mulheres são fatores importantes para que assumam um papel de protagonismo no setor. Estão cada vez mais organizadas, buscando se unir para enfrentar os desafios, não só para expandir sua atuação, mas também para avançar como classe e conquistar igualdade nas negociações e na representatividade. Porém é um caminho longo a ser percorrido, pois ainda que tenham conhecimento, habilidade e experiência, e que existam encontros regionais, nacionais, grupos de whatsapp, influenciadoras digitais, canais de mídias, livros escritos, e tantas outras ferramentas que informam, orientam, reconhecem e valorizam a presença feminina no agro, as mulheres terão que conquistar muito mais para deixarem de ser vistas como coadjuvantes.

     Nossa cultura ainda é ambivalente sobre o papel da mulher na sociedade, e talvez esse seja um dos principais motivos pelos quais não ocupam, proporcionalmente ao seu preparo, posições-chave em cargos de representatividade. Não temos dúvidas de que muitas conquistas estão sendo realizadas para que o papel feminino no agro seja reconhecido pela excelência. Estamos nos inventando e reinventando seguindo nossa história e o momento de vida que atravessamos. É preciso guardar em mente que esta construção pode demorar um pouco para ser concluída, mas está sendo realizada sobre um alicerce sólido e tende a ser perene.

     CcV - Como avalia a Medida Provisória 897, convertida na Lei 13.986, mais conhecida como Lei do Agro? Há desafios a serem enfrentados pelos cartórios com essa nova legislação?

     Maria Aparecida Pacheco - Muitos têm sido os debates sobre as novidades trazidas pela Lei do Agro, com o surgimento de interpretações bastantes distintas dentre os vários setores que compõem a cadeia do agronegócio. Ainda é cedo para uma avaliação conclusiva, porém é possível identificar que alguns aspectos são muito positivos para o setor por terem sido criadas novas possibilidades de títulos de crédito e de garantias, com alterações significativas para permitir a circulação em formato eletrônico e a transformação em ativos financeiros.

     Por outro lado, a vacuidade de alguns institutos criados gera insegurança jurídica e aumentam demasiadamente os custos para o produtor, criando obrigações mais onerosas do que as que já existiam. Nossa classe tem se dedicado ao estudo da matéria e buscado integração com outros setores para uma visão holística, mas sem dúvida temos/teremos muitos desafios a serem enfrentados pelos cartórios, especialmente no que tange à padronização/ uniformização de entendimento para a prática de alguns atos, eis que a legislação não foi muito feliz em sua técnica, o que provavelmente exigirá a atuação das Corregedorias Estaduais e Nacional para interpretação.

     CcV - O processo de digitalização dos cartórios tende a contribuir para o fluxo econômico das atividades do agronegócio?

     Maria Aparecida Pacheco - Sem dúvida alguma, pois com a digitalização há uma otimização de prazos e dos procedimentos do trâmite do título, desde a sua recepção até a entrega das certidões pós registros. Encurtam-se distâncias, ganha-se em tempo e economia. Mas não basta os cartórios estarem aptos a recepcionarem títulos eletrônicos ou digitalizados, é necessário que haja uma inclusão digital também por parte dos produtores, haja vista que a legislação exige que seja adotada assinatura no padrão ICP Brasil. Essa é uma realidade que não tem volta e é preciso esforço conjunto de todos os envolvidos para que se consolide a cultura da digitalização e da tramitação eletrônica dos títulos do agronegócio.

     CcV – Quais as maiores dificuldades para se implantar soluções digitais em âmbito nacional?

     Maria Aparecida Pacheco - Sim, ainda temos essa dificuldade e creio que ainda vai demorar um tempo para que todos os estados estejam em condições de implantar soluções digitais, porque são muitas as assimetrias dentre as várias regiões e microrregiões do país, por fatores que independem da vontade do registrador ou dos demais envolvidos na cadeia produtiva, haja vista que muitos municípios brasileiros, ainda sofrem pela falta de energia estável e sequer têm acesso à internet. E veja que não estou falando só de municípios isolados na região amazônica, mas também de muitos localizados nas regiões mais desenvolvidas do Brasil. Trata-se de uma questão de governança e que extrapola nossa atividade.

     CcV - Como está a questão da exigência de certidões pessoais para operações no meio rural?

     Maria Aparecida Pacheco - A exigência de certidões pessoais dos produtores nos registros de títulos de imóveis rurais ou de quaisquer outros registros está consubstanciada em diversas leis nacionais e estaduais, ratificadas por normativas das Corregedorias Estaduais e não obstante os tribunais superiores do Poder Judiciário já terem, por inúmeras vezes, se manifestado em casos concretos no sentido de que registros públicos não devem ser condicionados a exigência de certidões que não sejam daqueles impostos que incidem diretamente sobre imóveis, a legislação não foi alterada.

     No dia 27 de abril deste ano, com o objetivo de reduzir obstáculos de acesso ao crédito durante a pandemia de coronavírus, o Governo Federal publicou a Medida Provisória 958, que dispensa os bancos públicos de solicitarem determinados documentos para conceder ou renegociar créditos até 30/9/2020.

     Mesmo que essa MP não tenha consignado expressamente que a dispensa se aplica aos Registros Públicos, tem-se interpretado que no período de vigência dessa MP, o registro dos instrumentos de crédito e de renegociações ocorram sem a apresentação de certidões pessoais.

     Várias são as propostas da nossa classe para os órgãos competentes no sentido de que ocorra alteração legislativa para acompanhamento da jurisprudência que vem se consolidando pela inexigibilidade de certidões pessoais nos registros, e espera-se ansiosamente por essa alteração, como uma medida de desburocratização, haja vista que o Poder Executivo tem meios apropriados para protesto ou execução de dívidas.

     CcV - Qual a sua previsão para um futuro recente entre os cartórios e o agronegócio? Com o aumento da produtividade rural brasileira, também aumentarão os serviços desempenhados pelas serventias?

     Maria Aparecida Pacheco - Creio que nossas entidades de classe têm avançado na conversa com o setor do agronegócio e os registradores das regiões de produção agropecuária tem envidado esforços para padronização dos serviços e redução nos prazos de entrega, sem perder de vista a necessária segurança jurídica que nossos atos devem emanar. Não obstante a Lei do Agro ter dispensado os registros das cédulas rurais para produção de eficácia contra terceiros, as garantias por elas constituídas continuarão a ser registradas e a na medida que o setor do agronegócio aumenta sua produtividade, os cartórios também tem um fluxo maior de serviços. Estamos todos do mesmo lado, desejando que o setor cresça ainda mais. Com todas as garantias constituídas, o crédito será cada vez mais farto e os juros mais baixos.

Fonte: Cartórios com Você