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Programa habitacional buscará regularização de imóveis de baixa renda

6 de julho de 2020

     O ministro do Desenvolvimento Regional (MDR), Rogério Marinho, trabalha nos últimos ajustes do programa habitacional que substituirá o Minha Casa Minha Vida. Para afastar o governo de Jair Bolsonaro da bandeira que foi uma das principais marcas da gestão petista, a pasta pretende lançar até o fim deste mês o "Casa Verde Amarela", focado na regularização de imóveis de famílias de baixa renda e de estímulo a financiamentos a juros baixos.

     Em entrevista exclusiva ao Valor, Marinho afirmou que há aproximadamente 12 milhões de residências irregulares que poderão ser beneficiadas pelo programa. O governo pagará pela regularização e por pequenas reformas nos imóveis. A medida seria uma alternativa a famílias de baixa renda diante da falta de orçamento para subsidiar novos empreendimentos, a exemplo do que ocorria na faixa 1 do atual programa. Em outra via, o ministro tenta reduzir juros e alongar o pagamento de subsídios da União à Caixa Econômica Federal para viabilizar os financiamentos ao público de baixa renda.

     Marinho tem se envolvido diretamente na tarefa de aumentar a presença de Bolsonaro no Nordeste, e um novo roteiro de viagem está previsto para esta semana. Ele afirmou que a "segurança hídrica" será uma das marcas do atual governo, o que se dará em grande parte pelo novo marco do saneamento e por um projeto de revitalização de bacias hidrográficas, que terá início no bojo da transposição do rio São Francisco.

     O ministro espera que os primeiros leilões sobre serviço de água e saneamento sejam viabilizados no primeiro semestre de 2021. Com maior segurança jurídica, Marinho disse que há apetite de investidores estrangeiros e domésticos em injetar recurso em saneamento básico, mas após a pandemia. Durante a entrevista, o ministro garantiu que não há problemas de relacionamento com o colega da Economia, Paulo Guedes, por causa do programa Pró-Brasil, carteira de projeto de investimentos, e que o governo está afinado na ideia de priorizar a atração de investimentos privados. Leia os principais trechos da entrevista:

Valor: O senhor tem feito uma série de agendas no Nordeste. Essa é a maneira de ajudar o presidente a ter mais apoio nesta região, que costuma ser um reduto do PT?

Rogério Marinho: O que ajuda a melhorar a performance do governo é a ação do governo. Hoje a regra é que há pouca percepção das ações que o governo empreende nos diversos municípios brasileiros, nos Estados do Brasil como um todo, e no Nordeste em especial. Nós temos obras ativas e contratos ativos na totalidade dos municípios brasileiros. Temos feito um esforço, inclusive por orientação do presidente, para que essas obras não sejam paralisadas porque a manutenção do cronograma físico-financeiro gera emprego, mantém aquecida a economia e, ao mesmo tempo, é um respeito ao tributo pago pelo contribuinte brasileiro. Não há nada mais afrontoso do que a obra paralisada.

Valor: É mais difícil no Nordeste ter essa percepção do que está sendo feito pelo governo?

Marinho: No Brasil como um todo, mas no Nordeste existem outros valores envolvidos. Quando você afirma que o Nordeste é mais PT, eu diria que o Nordeste é mais propenso a aceitar ação do governo. Nós tivemos 12 ou 13 anos de um governo do PT. No imaginário das pessoas, o governo, que estabeleceu a política de assistência social e as ações mais impactantes naquela região, foi o governo do PT. Então, nós temos que gradativamente mostrar à população que há um outro governo interessado em manter obras já iniciadas em respeito ao contribuinte e que propõe novas ações que precisam necessariamente serem identificadas com o DNA do governo do presidente Bolsonaro. Há um cemitério de obras paralisadas, de cadáveres insepultos que precisam de um desfecho.

Valor: Atualmente, existem quantas obras paralisadas?

Marinho: Só na área habitacional, nós herdamos 100 mil unidades paralisadas. Nós pretendemos reiniciar todas. Já demos ordem de serviço em 11 mil. Esperamos chegar até o final deste ano com pelo menos 50 mil reiniciadas. As demais ficarão para o próximo ano. Nós temos hoje de 290 mil a 300 mil unidades habitacionais em carteira. Já entregamos 500 mil unidades, quase R$ 5 bilhões de investimento no programa habitacional.

Valor: Quanto é necessário de recurso para retomar essas unidades habitacionais? Tem orçamento?

Marinho: Nosso orçamento geral está em torno de R$ 11 bilhões. Nós temos uns R$ 21 bilhões de restos a pagar. O que estou fazendo eu tenho dentro do meu orçamento.

Valor: Os canteiros de obras com recursos do Ministério do Desenvolvimento Regional não pararam com a pandemia?

Marinho: Muito pouco. É residual. Talvez 3% a 4% tenham tido problema. Alguns casos episódicos.

Valor: Muitas obras são paralisadas também por falta de contrapartidas de Estados e municípios. A União pretende abrir mão delas para agilizar o processo?

Marinho: Não, é um processo contratual. Mas no possível a gente tenta conciliar que a contrapartida ocorra no final da obra e, se for o caso, seja mais espaçada. Nossa preocupação é que não haja descontinuidade.

Valor: Quais obras quer estabelecer como DNA do governo Bolsonaro?

Marinho: Nós estamos muito preocupados com a segurança hídrica, esse é o DNA que nós queremos. Segurança hídrica significa esgotamento sanitário, tratamento de resíduos sólidos, revitalização de bacias hidrográficas. Queremos que o programa de transposição do rio São Francisco seja concluído até o segundo semestre do próximo ano.

Valor: Era um dos principais projetos do governo PT...

Marinho: É um projeto que começou em 1847 com Dom Pedro II. É um projeto do Estado Brasileiro. Foram 14 ou 15 anos, alguns prazos não foram cumpridos por uma série de problemas. Aportes financeiros que foram feitos que triplicaram o valor da obra ao longo do período.

Valor: O senhor falou do DNA da segurança hídrica mas parece que o governo tem muito o DNA de finalizador de obra.

Marinho: Esse é um governo da entrega. Está muito claro para as pessoas e a gente quer deixar mais claro ainda. É um governo de efetividade e de entrega. Você tem a barragem de Oiticica: são 600 milhões de metros cúbicos e há 20 anos é construída essa barragem. Nós vamos entregar no próximo ano. Você tem uma transposição que faz 14 anos e nós vamos entregar com 2 anos e meio do governo de Bolsonaro. Vamos investir quase R$ 5 bilhões para entregar a finalização.

Valor: Com a aprovação do marco regulatório do saneamento, tem conversado com muitos investidores?

Marinho: Essa marco desde 2016 roda dentro do Congresso Nacional. Então é uma negociação que amadureceu ao longo do tempo, mas muita gente imaginava não ser possível por causa dos interesses corporativos. Então, nós temos que novamente realçar o papel do presidente Bolsonaro. Não só fez uma reforma da Previdência de muito envergadura como também desata um nó de um marco que certamente vai ser uma revolução no nosso país no que tange à saúde pública, produtividade, diminuição da mortalidade infantil, do esgotamento sanitário.

Valor: Mas tem algo de concreto de entrada de recursos?

Marinho: Eu estive pessoalmente ao longo dos últimos 40 dias com embaixadores de dez países e seus representantes de negócio. O último foi o representante da Coreia do Sul. Estive, por exemplo, com a Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Holanda, Itália, Espanha, Arábia Saudita. E todos os embaixadores com seus encarregados de negócio, além de demonstrar interesse nessa área de saneamento, demonstraram interesse de investir em outras áreas no Brasil. No caso da Arábia Saudita, o embaixador ratificou há 20 dias US$ 10 bilhões em investimento, mas disse que só está aguardando o fim da pandemia. Além de conversar com investidores de outros países, é recepcionar também os investidores locais. Temos visto muito apetite tanto das empresas que já estão dentro do processo como investidores novos que estão olhando esse segmento agora com maior interesse em função da segurança jurídica, da previsibilidade que o marco legal dá.

Valor: O que pretende recomendar de veto ao presidente?

Marinho: Só vou dizer quando o governo tiver a posição dele. Esse momento das tratativas. Hoje [sexta-feira] à tarde tenho reunião sobre isso para acertar a ação do governo sobre os vetos que serão feitos ao projeto de lei. Me parece que o prazo é dia 15 de julho. Vamos sentar com a Casa Civil, que deve recepcionar alguma coisa dos ministérios do Meio Ambiente, da Economia e da ANA [Agência Nacional de Águas]. É possível que alguns vetos demandem de alguma ação legislativas. Devemos escutar as bancadas para ver se poderemos manter os vetos que vão ser apresentados.

Valor: Um dos vetos trata de incluir limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos?

Marinho: Na verdade é permitir que o marco alcance também o tratamento adequado do resíduo sólido. Esse é relativamente consensual.

Valor: O marco do saneamento vai ajudar na universalização dos serviços de água e esgoto diante da falta de recurso público?

Marinho: A capacidade de investimento do Estado brasileiro nas três instâncias vem se exaurindo ao longo do tempo. Os custos de manutenção e de custeio de pessoal estão se tornando cada vez maiores, eles crescem acima da inflação. Eu vejo que esse marco é um suporte extremamente necessário e até vital para que nós possamos enfrentar o desafio da universalização, o Brasil tem metade da população praticamente sem tratamento de esgoto, e 35 milhões de pessoas sem água potável. Está claro que, se formos esperar por investimentos por parte de companhias estaduais e municipais, esse lapso temporal de 10 a 15 anos dificilmente vai ser atingido. O aporte da iniciativa privada é essencial para que a gente consiga, junto com o Estado, conseguir alcançar este fim, este objetivo.

Valor: Como os Estados estão se organizando? Eles vão ter que privatizar?

Marinho: A lei não obriga a privatização, ela prevê um prazo para que os contratos que existem possam se adequar a uma realidade objetiva de definição e valores e de metas principalmente de investimentos por parte dos detentores dos contratos de concessão, para não ficar uma coisa assim sem prazo definido. A lei determina março de 2022 para que estas metas sejam estabelecidas para validação destes contratos de programas. O problema maior é fazer que todo mundo caminhe na mesma direção, tanto as companhias estaduais que vão remanescer e têm interesse de permanecer no serviço, como as entidades privadas que ingressarão no sistema. Para isso, é necessário fortalecer a ANA, que terá o papel de regulação, supervisão e fiscalização.

Valor: Algumas empresas privadas que já operam no Brasil projetam que os primeiros contratos começariam no segundo semestre de 2021. É o que vocês esperam?

Marinho: Há um processo de maturação, mas já há ações gestadas e em diferentes estágios. O grau de maturação dos projetos é variado, mas está bastante acelerado. Acho que no primeiro semestre do próximo ano a gente deve ter os primeiros leilões.

Valor: Qual é o nome que vai ter o novo Minha Casa, Minha Vida? Por que está demorando para sair a reformulação?

Marinho: Casa Verde Amarela. O programa tem complexidades, não é simples. É um programa que tem acertos e equívocos. Tem pelo menos 500 mil unidades que foram feitas no antigo Minha Casa, Minha Vida que viraram guetos, territórios de ninguém. São conjuntos habitacionais longe dos núcleos urbanos, sem adensamento das áreas, sem infraestrutura nenhuma. Estamos trabalhando projetos junto a organismos multilaterais para ter a retomada destes espaços. Em todos os Estados brasileiros você tem exemplos de como não se deveria fazer um programa habitacional. Mas também tem acertos. Foram feitos vários conjuntos habitacionais em áreas adensadas. Resolveu problemas estruturais, de remoção de pessoas de áreas de risco.

Valor: O recurso que o governo busca junto a organismos multilaterais para suprir a restrição orçamentária será utilizado para que tipo de investimento?

Marinho: Para fazer investimentos de urbanização. Há áreas que não tem nada, não tem transporte, não tem escola, não tem polícia. Além disso, você tem que humanizar, tem que ter uma intervenção social. Estamos trabalhando [ainda não tem prazo].

Valor: E como será o programa habitacional?

Marinho: Hoje você tem de 10 a 12 milhões de unidades habitacionais no Brasil que não têm escritura pública, são os ilegais. Você tem em torno de 60 milhões de unidades habitacionais, creio que a metade seja ilegal, sendo que de 10 milhões a 12 milhões são passíveis de ser regularizadas. Os outros não são passíveis porque estão em áreas não edificantes, são encostas, pântanos, margens de rios e de preservação. Nós vamos lançar um programa onde nós vamos apoiar os municípios brasileiros em programas de regularização fundiária. São editais que vão ser lançados. A execução é do município, mas nós estamos dando a metodologia e o apoio que nós vamos conceder. E pequenas reformas habitacionais. É necessário que haja todo um levantamento social, georreferencial, topográfico. A prefeitura deve definir quais são as unidades que vão precisar de pequenas reformas e nós vamos ajudar.

Valor: É isso que vai fazer o programa de regularização dar certo? Outros já falharam.

Marinho: Na verdade, nós estamos fazendo um plus porque quem ganha uma escritura pública valoriza seu imóvel de 40% a 60%, isso é transferência de riqueza na veia. Não havia um programa de governo estruturado nestes 20 anos [desde a primeira lei]. Várias prefeituras têm projetos de regularização, são ilhas, algumas deram muito certo, outras não. Nós vamos apoiar de forma sistêmica.

Valor: E além da regularização?

Marinho: Nós estávamos em um processo de negociação com a Caixa e com o Ministério da Economia, por isso que demorou tanto tempo. Uma frente é a diminuição dos juros do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Como ele é remunerado pelo sistema financeiro habitacional, tem um percentual do recurso que ele aporta que tem que ser pago anualmente, em torno de 5% ao ano. Nós estamos propondo a diminuição deste aporte, até porque está diminuindo a taxa Selic. E essa diminuição vai nos permitir que pelo menos 1 milhão de famílias novas possam acessar os empréstimos habitacionais. Isso vai ocorrer de forma diferenciada, [terão direito] famílias de até R$ 3 mil [renda mensal] no Nordeste e de até R$ 2 mil nos outros lugares do Brasil. Também estamos negociando com a Caixa uma mudança na forma de repasse dos subsídios para que seja diluído ao longo dos contratos. Queremos equilibrar o processo porque disponibiliza mais recursos.

Valor: O que o senhor espera do segundo semestre?

Marinho: Vai ser o momento da retomada. Me parece que o Brasil vai sair mais forte que outros países porque, apesar de tudo, estamos mostrando muita resiliência. A atividade econômica continua se sobressaindo e tendo vigor, apesar da crise.

Valor: Como está seu relacionamento com o ministro Paulo Guedes após o ruído nas discussões do Pro-Brasil?

Marinho: As dificuldades ou opiniões contrárias que por ventura existem dentro do governo são absolutamente saudáveis. As pessoas não podem querer que todos pensem parecido. Eu tenho todo o direito, num ambiente de discussão, colocar a minha posição e ouvir uma posição diferente. Passado esse momento, a posição do governo é a nossa posição. Ela é de responsabilidade fiscal, mas de entender também de que há necessidade de fazer movimento de retomarmos a economia e o governo não está poupando esforços neste sentido. Hoje mesmo vou estar com o Paulo Guedes.

Valor: Como o senhor está vendo a aproximação do presidente Bolsonaro do Centrão?

Marinho: O governo entendeu que havia a necessidade de termos minimamente uma base governamental porque quando apresenta um projeto ao Parlamento é necessário ter um ponto de partida e uma base de governo que lhe dá uma certa tranquilidade sobre êxito de aprovação. O presidente tem feito tratativas no sentido de trazer para dentro da sua órbita de influência partidos, deputados e senadores que comunguem das ideias que ele defende e que permita ele de colocar em prática o seu ideário de governo.

Fonte: Valor Econômico