A presidente em exercício da Associação dos Notários e Registradores do Estado de Mato Grosso (Anoreg-MT), Velenice Dias, que também é tabeliã de protesto nos 2º Ofícios de Rosário Oeste e Nova Mutum, participou na noite desta quinta-feira (1º de outubro) da abertura do Projeto “Memórias”. Ele foi criado para conhecer e homenagear os notários e registradores que tiveram participação nas fundações da Anoreg-MT e do Colégio Notarial do Brasil – Secção de Mato Grosso (CNB-MT). O evento, idealizado pelo tabelião substituto do 2º Ofício de Pedra Preta, Wagner Melo, ocorreu de forma online e foi transmitido ao vivo pelo canal da Associação no Youtube.
Velenice Dias iniciou a entrevista dizendo ter ficado lisonjeada em ser a primeira entrevistada e feliz por Wagner Melo ter cedido o projeto à Anoreg-MT. “Esse projeto ficará registrado na história da Associação e na nossa vida pessoal. Temos certeza que motivará outros colegas a também contarem suas trajetórias”.
De família nordestina, Velenice Dias fez questão de contar que seus caminhos têm tudo a ver com sua avó, dona Chiquinha. Relatou que ela criou sua mãe e outras netas na área rural de Poxoréu e não tinha renda. Foi quando decidiu plantar um pé de laranja para cada uma, os quais, quando davam os frutos, vendia-os e entregava o dinheiro para as netas comprarem o que precisavam.
“Meu pai foi garimpeiro, fazia doce de casca de melancia e atravessava o rio para conquistar minha mãe. O diamante que se pegava naquela época era vendido e, o dinheiro que sobrava, era dado à minha mãe para comprar o que precisássemos. Quando nasci, recebi da minha madrinha o nome de Vilenice, mas, meu padrinho, na hora do registro, errou e ficou Velenice, que também adoro, pois não conheço outra pessoa com este nome”, exaltou.
Velenice Dias informou que nasceu no garimpo e, aos sete anos de idade, seu pai se mudou para Dom Aquino com a família. “Passou-se um tempo, comecei a estudar e nessa cidade iniciei minha trajetória de vida. Aos 11 anos, cuidava dos meus irmãos e me apaixonei pelo meu vizinho. Para conquistá-lo, dormia com bobes no cabelo e conversava com o pai dele, que também gostava muito de leitura”, brincou. Também aos 11 anos, fazia pastéis e mandava seus irmãos Macário e Dejanira venderem na escola, na hora do lanche.
Ela acrescentou que o rapaz, então, foi trabalhar em São Paulo. “Um belo dia, um professor mudou para frente da casa do meu pai e fui conversar com ele. O moço que estava ao lado dele me conheceu, começamos a namorar e nos casamos. Nessa época eu já havia feito curso de magistério e contabilidade, pois meu pai não deixava viajar para cursar uma faculdade. Então, passei a lua de mel em Salvador. Depois, moramos um tempo em Dom Aquino e fomos embora para Recife, quando o mundo se abriu para mim. Aquela menina de Dom Aquino e Poxoréu cresceu. Enquanto meu marido ia trabalhar no Banco da Amazônia, eu ficava em casa e isso começava a me incomodar. Comecei a fazer o curso de Letras na Faculdade Fafire e, querendo ganhar dinheiro, fiz concurso para a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos, mas não tive coragem de assumir. Surgiu o concurso do Banco do Brasil, época em que soube que meu pai tinha muita vontade de me ver trabalhando neste banco, o que me motivou. No entanto, eu não gostava muito de matemática. Foi quando meu marido começou a me ensinar. Ele era muito sistemático e, eu, desorganizada, até que comecei a me disciplinar. Depois de uma semana estudando, comecei a gostar e me desenvolvi. Fiz cursos particulares de matemática, prestei o concurso, fui aprovada na 49ª posição e, meu pai, ficou muito orgulhoso. Fui trabalhar no interior de Pernambuco. Com meu primeiro salário, comprei uma bolsa. Aprendi muito no Banco do Brasil, local onde trabalhei por 14 anos. Tenho muito orgulho disso”.
Segundo Velenice Dias, naquela época, seu marido foi transferido de Recife para São José do Rio Claro, em Mato Grosso. “Depois, fomos para Rondônia, onde comecei o curso de direito. Angustiada, via que a vida de bancária não era minha profissão. Então, decidi sair do banco. Ah, também tive uma sorveteria, chamada Gela-Goela, que existe até hoje. Ao sair do banco, participei de processo seletivo para o Tribunal de Justiça de Rondônia, na função de conciliador. Me inscrevi para as quatro vagas existentes e passei em primeiro lugar. Então, houve seleção para ver quem assessoraria os juízes. Todas as sentenças envolvendo bancos mandavam para eu estudar. Trabalhei muito. Fazia mais do que o juiz e passava, o que me deu uma bagagem muito grande. No final, foi um período muito rico de conhecimento”.
“Na faculdade, fui monitora na disciplina de Direitos Reais. Depois, fui transferida para Ariquemes e contratada para dar aula. Sempre fui e sou ligada ao magistério até hoje. Não seria 100% feliz se não tivesse uma disciplina para ministrar aulas e aprender. Em Ariquemes, comecei a ver os trabalhos dos magistrados e resolvi ser juíza. Comecei a entrar na área dos concursos públicos e vi o quanto é preciso ter dedicação e psicológico muito forte. Concurso público é uma caminhada. Você inicia reprovando, depois passa na primeira fase e reprova na segunda, até alcançar o objetivo. Vim para Mato Grosso e fiz concurso para magistratura do trabalho. Passei na primeira fase e já me senti juíza. Reprovei na segunda”, sorriu Velenice Dias.
Em Ariquemes, em novo concurso para a magistratura, “tive a honra de ter tirado a maior nota na sentença cível. Na penal, tirei a nota mínima, só para passar. Um dia antes da prova oral, meu pai faleceu e tive que escolher em ir para o concurso ou ao velório. Optei por fazer a prova oral e não passei. Fiquei muito mal”.
Questionada por Wagner Melo sobre o concurso para o qual foi aprovada em Mato Grosso, Velenice Dias disse que sua prima, que trabalhava no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, havia lhe informado deste certame. “Não me empolguei de imediato, mas vim fazer. Fiz a prova, acertei 50% das questões e voltei embora para Rondônia. Foi quando minha prima me ligou avisando que eu havia passado. Uma lei aqui do Estado dizia que o candidato que fizesse 50% dos pontos estava aprovado. Me empolguei e voltei para a segunda fase, onde fui aprovada. Não tinha ideia do que era um cartório. Fui para Rosário Oeste e aqui estou até hoje. Foi uma das melhores escolhas da minha vida. Nenhuma escolha diferente desta me faria feliz como sou hoje. Não troco por nada a qualidade de vida que eu tenho hoje”.
Sobre as dificuldades encontradas, Velenice Dias destacou que o que mais a incomoda é o fato de não ter aprendido sobre a gestão administrativa e financeira do cartório. “Fazemos o concurso, passamos e temos que nos deparar com situações de comprar ou local o imóvel onde o cartório funcionará, os maquinários, dentre outras situações. Iniciei com uma gestão amadora, mas, com muita confiança, superei essa fase. Peço a todos, principalmente aos novos aprovados, que prestem atenção nisso, pois temos que fazer a gestão financeira e pessoal do cartório, que é a parte mais difícil”.
Velenice Dias também falou sobre a importância da participação dos cartórios nos Prêmios de Qualidade. “Era um mundo totalmente desconhecido para mim. Quando foram implantados, participei, pois não tinha conhecimento do que eram. Me ajudou muito. Muita coisa mudou no cartório. Ouvir um cliente te dizendo que o cartório tem missão, visão e valores é muito gratificante. Com os prêmios de qualidade, trabalhamos nossa inteligência emocional e aprendemos a colocar o colaborador na função correta. Sem a Anoreg-MT, não conseguiríamos chegar onde estamos. Temos sempre que estar motivados. Não é fácil, mas precisamos avançar. O Prêmio Inspire Qualidade (PIQ-MT) foi o primeiro que participei, o qual me ensinou a ter e seguir uma padronização e as formas de proceder em determinados atos. Depois, veio o Prêmio Qualidade Total Anoreg (PQTA), onde Mato Grosso foi por anos seguidos o maior em número de serventias inscritas. Rosário Oeste começou figurando na categoria prata e foi subindo até chegar na categoria diamante. Todo esse avanço refletiu, inclusive, na vida dos nossos colaboradores. É um aprendizado que não aplicamos apenas no cartório, mas também o levamos para nossa vida pessoal”
Quanto às sugestões para o melhoramento dos cartórios, Velenice Dias enalteceu que o primordial é o atendimento ao cliente. “Temos que trabalhar muito o atendimento. Investir muito em tecnologia. Eu confesso que tenho falhado nessa área e é um mundo sem volta. Já estávamos caminhando para o avanço, mas fomos empurrados pela pandemia. Na medida do possível, devemos capacitar nossos colaboradores para melhor atender nossos clientes. Posso errar, mas o que o cliente realmente quer é ser ouvido e respeitado. Se focarmos no excelente atendimento e evoluirmos na nossa gestão administrativa e financeira, estaremos muito bem”.
A presidente em exercício da Anoreg-MT também pontuou que o Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais deve ser homenageado. “Todos são importantes, mas penso que devemos prestar homenagem ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais. É nele que se faz tudo (nascimento, casamento, óbito). Ele tem dado show em investimentos em cidadania. É o cartório da cidadania. Quando a criança nasce, já sai com a certidão de nascimento e, para mim, é o mais importante de todos”.
Durante a entrevista, Velenice Dias se emocionou ao falar do senhor Totó. “Raimundo Alves Neto, baiano, meu padrinho de batismo e um pai para mim. Quando meu pai saia no mundo, era meu padrinho que me dava amor e carinho. Sempre me deu apoio e carinho. Saiu do nordeste e hoje tem 94 anos de idade. Ele, junto com minha madrinha, que deram meu nome, cuidaram de mim a vida inteira. Tenho um amor por ele do tamanho do mundo”.
Por fim, o mediador da entrevista, Wagner Melo, fez um bate bola rápido com Velenice Dias. Confira as perguntas e respostas: