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Poder de Emenda à Constituição e suas limitações

12 de julho de 2019

Saiba como funcionada o andamento de uma Emenda Constitucional.

Com várias noticias sobre o novo governo emendar a constituição, tanto na seara previdenciária, e uma reforma tributária, cumpre-nos destacar as limitações do poder constituinte derivado em emendar a constituições.

Antes de tudo, o Poder Constituinte Derivado, ou seja, aquele capaz de editar uma Constituição, estabelecendo uma organização jurídica fundamental, dando forma ao Estado, constituindo poderes e criando normas de exercício de governo, está subordinando às condições fixadas pelo Poder Constituinte Originário.

A limitação do Poder Constituinte Derivado, também conhecido como Poder de Emenda, pode ser formal (procedimental). No Brasil há pequeno rol de legitimados para a apresentação da proposta (1/3 dos deputados e 1/3 dos senadores. Presidente da República ou mais da metade das Assembleias Legislativas do País, cada uma delas manifestando o apoio pela maioria relativa de seus membros) e um processo mais rigoroso para a sua aprovação (voto favorável de 3/5 de todos os deputados e senadores, com duplo turno de votação em cada casa parlamentar - § 2º do artigo 60 da Constituição Federal).

José Afonso da Silva[1], admite a iniciativa popular também para projeto de emenda à Constituição Federal, posição que reconhece não estar expressa na carta magna (art. 60 da CF), que define quem tem poder de inciativa para uma emenda à Constituição, mas que poderia ser extraída das normas gerais da Constituição Federal.

Luís Roberto Barroso[2], hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, noticia que este tribunal já reconheceu que membro do Congresso Nacional (deputado federal ou senador) pode questionar, por meio de mandado de segurança, ofensa à Constituição Federal durante a tramitação de proposta de emenda à Constituição Federal, com fundamento no direito público subjetivo à correta formação das espécies normativas (MS 22.487-8/DF, DJu 14.08.2001, e RTJ, 165/540) . Outras pessoas não têm legitimidade para tanto (MS 23.334/RJ).

Por outro lado, não cabe ADIn (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra o conteúdo o conteúdo de ato normativo em fase de formação, pois inexiste no direito brasileiro controle jurisdicional abstrato preventivo da constitucionalidade (STF, RDA, 183/158). Exceção é a Proposta de Emenda à Constituição que viole o § 4º do artigo 60 da Constituição Federal, pela qual sequer pode ser objeto de deliberação a proposta que vise abolir uma cláusula pétrea.

A limitação também pode ser temporal, vedando-se alterações durante certo tempo após a vigência da Constituição original. A Constituição do Império (1824), em seu art. 174, vedou a alteração de qualquer dos seus artigos durante os quatro anos seguintes à sua vigência.

§ 5º do artigo 60 da Constituição Federal, ao estabelecer que a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa, pode ser considerado uma limitação temporal. Observamos que Uadi Lammêgo Bulos conceitua o § 5º do art. 60 como sendo uma limitação procedimental[3].

A limitação circunstancial é aquela que suspende a tramitação das propostas de emenda em circunstancias que indiquem instabilidade institucional, ou seja, durante intervenção federal (como ocorrida recentemente no estado do Rio de Janeiro), estado de sítio e estado de defesa (art. 60§ 1º, da Constituição Federal).

Entrementes, temos a limitação material, pela qual nem sequer será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (ou mesmo alterar substancialmente) a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal, e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.

As limitações materiais também são chamadas cláusulas pétreas. E aquelas previstas no art. 60§ 4º, da Constituição Federal são as cláusulas pétreas são cláusulas pétreas explícitas.

As limitações materiais podem ser implícitas (inerentes), ou seja, também princípios não escritos e outras regras fundamentais que não estão no § 4º do art. 60 da CF podem ser considerados cláusulas pétreas.

São materialmente (limitação material) intocáveis pelo Poder Constituinte Reformador os princípios que, desrespeitados, causariam a ruptura do sistema constitucional. Exemplo: o § 4º do art. 60 da Constituição Federal é intocável, é uma cláusula pétrea, mas tal circunstancias não está explícita na CF/88. Sua alteração acabaria por admitir a alteração de normas antes intocáveis pelo Poder de Emenda, o que é inconcebível.

Não cabe a inovação do direito adquirido em face do Poder Constituinte Originário, conforme demonstra o artigo 17 das Disposições Transitórias da atual Constituição da República. Quanto ao Poder Constituinte Derivado (poder de emenda constitucional), há de ser observar que o inciso XXXVI do art.  da CF traduz garantia individual, daí estar protegido como cláusula pétrea (art. 60§ 4ºIV, da CF). Entendemos, por isso, que emenda constitucional não pode excluir ou modificar o direito adquirido. Nesse sentido: “Cláusula Pétrea de respeito ao direito adquirido- Invulnerabilidade pela superveniência de emenda, provida do poder constituinte derivado” (Câm. de Direito Privado, ED 74.591-5, São Paulo, Rel. Alves Bevilacqua, j. 17.08.1999).

Alguns porém, entendem que não se pode invocar o direito adquirido caso o prejuízo seja decorrente de emenda constitucional, argumentando que o constituinte vedou apenas que a lei nova (e não uma emenda constitucional) prejudique o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Esta segunda posição, porém, parece-nos equivocada, quer porque as normas decorrentes de emenda constitucional também são consideradas leis (no sentido amplo de regra jurídica escrita, instituída pelo legislador no exercício de suas prerrogativas e observados os seus limites), quer porque a segurança jurídica exige a repulsa a artifícios jurídicos que indiretamente possam ludibriar as cláusulas pétreas.

O Supremo Tribunal Federal, sob a luz da constituição Federal de 1967, deliberou que não há direito adquirido contra texto constitucional, seja ele decorrente do Poder Constituinte Originário ou do Poder Constituinte Derivado (RE 94.414, j. 13.02.1985, RTJ, 114/237). Ocorre que a Constituição Federal de 1988 incluiu os direitos e garantias individuais (inclusive o direito adquirido) entre as cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV), circunstâncias que não se verificava na Constituição Federal de 1967 (art. 47, § 1º).

Não se aplica, no sistema constitucional instaurado a partir de 1988, a teoria da dupla revisão, pela qual em primeiro lugar se revoga uma cláusula pétrea, para, em seguida modificar aquilo que a cláusula pétrea protegia[4].

Entendemos que a inserção de cláusula pétreas também é atividade exclusiva do Poder Constituinte Originário, pois do contrário, pois do contrário as atividades de um poder de natureza transitória (a periocidade dos mandatos dos agentes reformadores é cláusula pétrea), e limitada vinculariam as futuras gerações de legisladores (poder vinculante só concebido em favor do Poder Constituinte Originário, superior, soberano). Nada impede, contudo, que sejam inseridos novos direitos ou garantias fundamentais na Constituição por meio de emendas (a exemplo do inciso LXXVIII do art.  da CF/88), porém esses direitos supervenientes poderão desaparecer por meio de nova emenda.

Há polêmica sobre a possibilidade de alteração de cláusula pétrea, via emenda à Constituição, desde que alteração seja aprovada em consulta popular prévia (plebiscito). Quem defende a possibilidade toma por fundamento o princípio da soberania popular e relembrar que os cidadãos são os titulares do poder (art. parágrafo único, e 14 da Constituição Federal).

As posições em sentido contrário tomam por base o § 4º do art. 60 da CF/88(não há previsão de exceção às cláusulas pétreas) e destacam que o exercício do poder originário por uma só emenda gera riscos de casuísmos incompatíveis com uma sociedade democrática, ou seja, as cláusulas pétreas somente devem ser alteradas após amplo debate nacional sobre todo o sistema constitucional do País, em típico exercício do Poder Constituinte Originário. Acreditamos que as cláusulas pétreas só podem ser alteradas no exercício do Poder Constituinte Originário. Acreditamos que as cláusulas pétreas só podem ser alteradas no exercício pleno do Poder Constituinte Originário, pois dão sustentação a todo um conjunto sistematicamente organizado que seria violado com alteração isolada de uma das suas pilastras.

A emenda não está sujeita a sanção (seja qual for seu proponente) e é promulgada pelas mesas da Câmara e do Senado.


[1] Curso de direito constitucional positivo, 10. Ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 66.

[2] Constituição da Republica Federativa do Brasil anotada, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 435-436.

[3] Constituição Federal anotada, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 758.

[4] Pedro Lenza, Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Ed. Método, 2003, p. 231.