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Artigo: O futuro precário enfrentado pelas novas cidades em ascensão do Brasil

11 de março de 2024

A agricultura está criando riquezas rapidamente e impulsionando a economia nacional. Mas será que o “ouro verde” pode sobreviver a um clima cada vez mais extremo?

Bryan Harris em Boa Esperança do Norte

     Vestido com um terno sob medida, abotoaduras de prata e mocassins de couro marrom, Marcelo Yamagata destoa na vasta plantação de soja e nas poeirentas estradas de terra de Boa Esperança do Norte.

     Originalmente do Rio de Janeiro, Yamagata cresceu ao redor de algumas das praias mais icônicas do mundo. Mas há três anos ele as trocou para se mudar mais de 1.500km a oeste para a remota cidade no coração escaldante do Brasil.

     “Fiz uma aposta,” diz Yamagata de seu cartório com vista para a praça principal. “Este lugar vai ser enorme um dia.”

     Como muitos antes dele, o homem de 44 anos está perseguindo uma explosão que está transformando não apenas Boa Esperança, mas toda a região centro-oeste do Brasil. É um boom não de semicondutores ou inteligência artificial, mas de agricultura e agropecuária. Ou como os moradores simplesmente chamam: “agro”.

     Impulsionado pela crescente demanda global por alimentos, especialmente da China, o setor emergiu nos últimos anos como um motor-chave da maior economia da América Latina, representando hoje cerca de 25 por cento do produto interno bruto. Isso representa um aumento em relação aos 18 por cento de uma década atrás. Direta ou indiretamente, emprega 27 por cento da população, de acordo com o Centro de Estudos Aplicados em Economia Avançada, da Universidade de São Paulo.

     A agricultura agora está quase que exclusivamente sustentando as fortunas econômicas da nação. No primeiro trimestre de 2023, o setor cresceu extraordinários 21 por cento e mais de 15 por cento ao longo do ano. Esse crescimento – o mais forte desde 1996, de acordo com os dados disponíveis – ajudou a impulsionar o crescimento nacional total, que superou as expectativas em 2,9 por cento.

     Em lugar algum o boom do agro é mais visível do que em Mato Grosso, um estado maior que a França e a Alemanha combinadas, que faz fronteira a oeste com a Bolívia e ao norte com a Amazônia. Historicamente um lugar desolado, o estado – que abriga Boa Esperança – hoje é um dos mais ricos do Brasil, com um número crescente de milionários e bilionários.

     “Aqui é o futuro,” diz Francisco Pereira, que administra uma loja em Sorriso, a autoproclamada “capital da agricultura brasileira” em Mato Grosso. “Há tanto dinheiro. E a cada ano cresce mais.”

     A vizinha Boa Esperança está prestes a ser a próxima cidade em ascensão. Após anos de disputas legais, a cidade – cujo nome se traduz como Boa Esperança – se tornará no próximo ano o mais novo município oficial do Brasil quando a primeira administração tomar posse.

Marcelo Yamagata, um tabelião que se mudou para Boa Esperança do Rio de Janeiro há três anos, está entre aqueles que apostam em uma transformação na região centro- oeste do Brasil. © Ricardo Lisboa/FT

     Isso dará direito a uma parte das receitas fiscais do governo e uma série de novos serviços públicos e projetos.

     Também estabelecerá como uma zona para investimentos e os moradores estão preparados para um influxo de dinheiro e pessoas na economia da soja e do milho

     “Todos estão deslumbrados com o crescimento até agora. Mas acreditamos que mais está por vir,” diz Calebe Francio, um grande proprietário de terras local que deverá disputar – e vencer – as primeiras eleições municipais de Boa Esperança em outubro. “Com uma administração local, pode ser mais dinâmico.”

     No entanto, pairando no horizonte, está uma ameaça potencial ao sucesso de Boa Esperança, Mato Grosso e ao boom agro do Brasil: a mudança climática.

     No ano passado, o Brasil teve seu ano mais quente registrado e Mato Grosso e seu cinturão agrícola central foram os locais mais quentes, com temperaturas 2°C acima da média. As temperaturas extremas, combinadas com a falta de chuva, afetaram drasticamente a produção, com previsão de queda de mais de 20 por cento na produção de soja, a principal cultura de renda. Em algumas partes do estado, a queda é esperada ser ainda pior.

     O ministro da Agricultura do Brasil chamou a situação, que coincidiu com os baixos preços internacionais da soja, de “crise iminente” para o setor.

     Muitos agricultores locais – sensíveis a questões ambientais devido a manchetes globais sobre desmatamento brasileiro – atribuem isso ao contínuo El Niño, um fenômeno natural e cíclico, que resulta em clima mais quente que eles não podem controlar.

     Mas grandes produtores, assim como agrônomos e cientistas, já estão se preparando para um futuro mais instável, com investimentos em novas tecnologias e métodos agrícolas.

     “O aquecimento global está intensificando eventos climáticos, então as secas são mais fortes, as tempestades são mais fortes,” diz Aurelio Pavinato, diretor-executivo da SLC Agrícola, um dos maiores produtores agrícolas do mundo, que está investindo em sementes geneticamente modificadas para proteção contra seca. “Os eventos climáticos estão se tornando mais intensos, então os danos às nossas safras se tornarão mais intensos.”

     “A mudança climática era algo um pouco etéreo,” diz Fernando Rossi, um fazendeiro do estado centro-oeste de Goiás. “Mas agora se tornou muito concreto.”

     O Brasil lidera o mundo na produção de uma vasta gama de produtos alimentícios, desde carne bovina e frango até café, suco de laranja e muitas frutas e legumes. As exportações agrícolas impulsionaram o recorde de superávit comercial do país, que no ano passado atingiu quase US$ 100 bilhões, um aumento de 60 por cento em relação ao ano anterior.

     Nos amplos campos ao redor de Boa Esperança e Sorriso, a cultura de escolha é a soja, que os agricultores geralmente alternam com o milho ao longo de dois cultivos por ano.

     No ano passado, a soja foi a maior exportação do Brasil, representando cerca de 16 por cento do total em termos de dólares. O país latino-americano também é o maior exportador mundial da oleaginosa, tendo ultrapassado os Estados Unidos há cerca de uma década.

     A maior parte da produção vai para a China, onde é misturada com milho para alimentar frangos e porcos, que por sua vez são consumidos pela população cada vez mais carnívora do país. Mas a soja também pode ser usada para uma variedade de óleos e produtos à base de soja, como tofu.

     Antes da recente queda nos preços, a cultura era tão lucrativa que os habitantes de Mato Grosso a chamavam de “ouro verde”. Ao lado do algodão e do milho, o feijão transformou o estado.

     “Quando chegamos, nem mesmo havia uma cidade. Hoje nós praticamente temos tudo,” diz Sadi Beledelli, um fazendeiro local que se mudou para a região de Sorriso na década de 1980 do estado mais ao sul do Brasil, Rio Grande do Sul.

     A migração, especialmente dos estados do sul do país, impulsionou o crescimento do cinturão agrícola de Mato Grosso. Mas nada disso teria sido possível sem avanços tecnológicos, incluindo a modificação genética de culturas e novos métodos de fertilização do solo, que transformaram terras outrora áridas em algumas das mais abundantes do mundo.

     “É uma terra de oportunidades. Estamos crescendo a passos largos,” diz Ari Lafin, prefeito de Sorriso, que abriga cerca de 110.000 pessoas.

     Tomando chimarrão, uma bebida herbal popular no sul do Brasil, Lafin diz que a população de Sorriso está crescendo a 20 por cento ao ano. O PIB, acrescenta, saltou de cerca de US$ 800 milhões em 2017 para quase US$ 3 bilhões em 2022.

     Essa nova riqueza é evidente. Novas mansões pontilham as avenidas bem cuidadas da cidade. Caminhonetes importadas cruzam suas largas ruas.

     “Na minha cidade natal [no sul do Brasil], eu nunca vi uma Ram,” diz João, um recém-chegado a Sorriso, referindo-se às grandes caminhonetes que podem ser vendidas por US$ 100.000. “Aqui eu vejo cinco a caminho de casa.”

     Um estudo recente de um grupo de elite dentro das pessoas mais ricas do Brasil – aquelas no 0,1 por cento – descobriu que os maiores ganhadores eram de Mato Grosso, de acordo com o Observatório de Política Fiscal da Fundação Getulio Vargas.

     “Em termos de PIB per capita do estado, hoje está entre os mais altos do país,” diz Sérgio Gobetti, economista que assinou o estudo. Mas ele destaca que a desigualdade também está crescendo, com a riqueza concentrada entre os proprietários de terras – geralmente do sul do Brasil – e não nos trabalhadores, geralmente do nordeste mais pobre do país.

     Duas horas a leste de Sorriso, através de vastas plantações de soja planas, Boa Esperança está começando a experimentar seu boom. A cidade ainda mantém uma qualidade de fronteira; sua entrada é dominada por um grande complexo de silos, onde dezenas de caminhões articulados ficam ociosos, aguardando o próximo carregamento de soja. A população de 7.000 habitantes é pequena.

     Mas os moradores esperam que a economia aumente assim que seu status como município oficial for formalizado no início do próximo ano.

     “Já desenvolveu muito e deve se desenvolver mais com o estabelecimento da cidade,” diz Gabriela Arquaz, que se mudou para Boa Esperança há cinco anos. “Para quem vem investir em imóveis, é ótimo. O crescimento é certo.”

     O otimismo é ecoado por Francio, o proprietário de terras local. “Pense nas pessoas esperando décadas por este momento. Todos estão animados, todos estão prontos para fazer investimentos.”

     Em meio à excitação, poucos na região parecem preocupados com o clima cada vez mais extremo do Brasil. Um refrão comum é a “estabilidade” do clima de Mato Grosso.

     Conscientes de sua representação na Europa e em outros lugares como vilões ambientais, os políticos e produtores da região fazem grandes esforços para destacar seu compromisso com regulamentações ecológicas e preservação de florestas e vias navegáveis.

     “Macron precisa vir aqui e conhecer a realidade,” diz Lafin, referindo-se ao presidente francês Emmanuel Macron, que é alvo de zombarias populares por suas críticas relacionadas ao agronegócio brasileiro e ao desmatamento.

     Apesar dos comentários do prefeito, no entanto, Mato Grosso – que se traduz como floresta densa – historicamente teve uma das taxas mais altas de desmatamento no Brasil. No ano passado, o desmatamento no bioma de savana que domina a região aumentou 43 por cento, segundo dados oficiais.

Uma estrada em construção em Boa Esperança do Norte tem como objetivo conectá-la às principais rotas interestaduais. Mato Grosso já foi visto como um estado desolado e isolado, mas hoje é um dos mais ricos do Brasil. © Ricardo Lisboa/FT

     Também há uma relutância mais ampla entre os agricultores tipicamente conservadores em reconhecer – e se preparar para – um clima globalmente em mudança. No ano passado, o Brasil experimentou uma onda de calor sem precedentes em todo o país, graves inundações no sul e uma seca histórica e devastadora na Amazônia. A floresta tropical é particularmente importante porque seu ecossistema de reciclagem de água cria a precipitação necessária para alimentar os campos de Mato Grosso.

     Os efeitos desses eventos climáticos na agropecuária foram imediatos. Em Mato Grosso, os agricultores estão prevendo sua menor colheita de soja em pelo menos 15 anos, com uma média de 52,12 sacas por hectare, 10 sacas a menos do que na colheita anterior, segundo dados da EarthDaily Agro, um grupo de análise.

     A produção nacional de soja está projetada para ter caído para cerca de 150 milhões de toneladas métricas este ano, em comparação com 162 milhões no ano passado, de acordo com dados da MD Commodities. Dados oficiais finais estarão disponíveis no próximo mês.

     “Agro já está sendo impactado pelas mudanças climáticas,” diz Paula Packer, chefe de meio ambiente da Embrapa, uma agência de pesquisa e desenvolvimento agrícola amplamente creditada por lançar as bases para o boom agrícola do Brasil.

     Enquanto os agricultores em Mato Grosso reconhecem o impacto do El Niño, eles evitam avaliações científicas de que o fenômeno climático está sendo exacerbado pelo aumento das temperaturas globais.

     “Os agricultores são conservadores,” diz Packer. “Mas no médio ou longo prazo eles irão [agir] para evitar perdas em suas colheitas.”

     Ela diz que uma opção é o uso de biológicos, ou bactérias que podem ser adicionadas à cultura durante o plantio para atuar como um tipo de umidificador “para que a planta possa sobreviver quando você tem seca”.

     Outra opção é o desenvolvimento de culturas geneticamente modificadas mais resistentes ao clima. Este é o caminho adotado pela SLC Agrícola, que opera enormes plantações de soja, milho e algodão em Mato Grosso e em todo o país.

     “HB4 é o nome da tecnologia. É uma cultura geneticamente modificada, que consome menos água e é mais resiliente,” diz Pavinato. “Durante uma seca, com a variedade normal, podemos perder 30 por cento da colheita. Com o HB4, podemos perder 15 por cento e economizar 15 por cento.”

     Pavinato também destaca a importância do manejo do solo. Técnicas mais simples, como o uso de culturas de cobertura e agricultura sem aração, podem prevenir a erosão, melhorar a saúde do solo e torná-lo mais resistente a um clima mais rigoroso.

     “Eu não acredito que a mudança climática irá reverter todos os ganhos que Mato Grosso alcançou, mas o desafio será manter o ritmo de desenvolvimento,” diz Felippe Serigati, professor do centro de estudos agropecuários da Fundação Getulio Vargas.

     “O futuro que vemos hoje para a região pode não ser alcançado, precisamente devido à mudança climática.” Existem outros riscos, embora indiretos, enfrentando Mato Grosso.

     Para começar, países que anteriormente não conseguiam produzir soja de forma eficiente começarão a aumentar sua produtividade como resultado do clima em mudança.

     Serigati diz que a competição aumentada pode vir da Rússia ou de partes do leste europeu, onde a terra já está “se tornando mais produtiva e existem regiões com condições completas para produzir”.

     “O mercado não é estático. O Brasil costumava exportar frango para a Rússia. Hoje a Rússia é exportadora,” diz ele.

     A desaceleração econômica na China apresenta outro desafio. Dos 101 milhões de toneladas métricas totais de exportações de soja do Brasil no ano passado, 70 por cento foram para o país asiático. Mas analistas agrícolas dizem que Pequim está buscando tanto diversificar seus fornecedores quanto substituir a soja por uma alternativa mais barata, como uma maior mistura de milho.

     “Na minha opinião, o grande boom na demanda chinesa acabou, pelo menos por enquanto,” diz Pedro Dejneka, sócio da MD Commodities.

     “A demanda chinesa por soja tem sido relativamente ‘estática’ desde cerca de 2015. É uma imagem completamente diferente do crescimento de mais de 600 por cento que vimos entre 2000 e 2015.”

     Tais avaliações, no entanto, não turvam o otimismo do mato-grossense. Lafin, o prefeito, está confiante de que a demanda da China continuará. Ele também cita a Índia como um potencial novo mercado de crescimento, embora os analistas alertem que a nação mais populosa do mundo ainda não tenha o nível de renda nem o setor de carne industrializada para lidar com a enorme produção do Brasil.

     “A vocação do Brasil é a agricultura. É alimentar o mundo,” diz Lafin. “Comer melhor exigirá negócios, então tenho certeza de que [o setor agropecuário brasileiro] continuará crescendo.”

     Esta fé é compartilhada por Yamagata, o tabelião em Boa Esperança, cuja crença no futuro da nova cidade em expansão do Brasil é inabalável.

     “Eu vim aqui para nunca mais sair,” diz ele. “Eu fiz uma aposta e estou totalmente comprometido com isso.”