A lei federal 13.465/17 é um marco na regularização fundiária no Brasil, trazendo diversos instrumentos jurídicos novos e a flexibilização de parâmetros urbanísticos.
O marco regulatório busca transformar a perspectiva de vida das famílias beneficiadas pela Reurb, garantindo a segurança jurídica da propriedade, a moradia regular, o resgate da cidadania, e deste modo, intervindo positivamente na gestão de territórios urbanos, vez que regularizados, passam a fazer parte dos cadastros municipais, permitindo, por conseguinte, o acesso da população a serviços públicos essenciais e o desenvolvimento econômico.
Diante deste cenário a regularização fundiária resolve de maneira eficiente os entraves que outrora impediram as regularizações fundiárias sob a égide da lei 11.977/09, dispensando o que não é necessário para o registro da Reurb, tendo como parâmetro um único pressuposto: a exclusão de documento não causará nenhum dano, de requisito legal ou de instrumento que compões a Reurb.
Importante destacar que, a flexibilização e as exceções previstas na lei e no decreto Federal não representam um retrocesso em relação às normas urbanísticas, edilícias e ambientais, mas sim o reconhecimento de novas opções para o êxito da regularização fundiária como política curativa, isto é, ação direta para sanar irregularidades preexistentes e situações integradas por meio do reconhecimento do direito de propriedade.
A lei 13.465/17 e o decreto federal 9.310/18, dispensaram a apresentação do Habite-se para o registro dos conjuntos1 habitacionais objetos da Reurb:
Lei nº 13.465/2017
Art. 11. Para fins desta Lei, consideram-se
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V - Certidão de Regularização Fundiária (CRF): documento expedido pelo Município ao final do procedimento da Reurb, constituído do projeto de regularização fundiária aprovado, do termo de compromisso relativo à sua execução e, no caso da legitimação fundiária e da legitimação de posse, da listagem dos ocupantes do núcleo urbano informal regularizado, da devida qualificação destes e dos direitos reais que lhes foram conferidos;
§ 1º Para fins da Reurb, os Municípios poderão dispensar as exigências relativas ao percentual e às dimensões de áreas destinadas ao uso público ou ao tamanho dos lotes regularizados, assim como a outros parâmetros urbanísticos e edilícios.
Art. 60. Para a aprovação e registro dos conjuntos habitacionais que compõem a Reurb ficam dispensadas a apresentação do Habite-se e no caso de Reurb-S, as respectivas certidões negativas de tributos e contribuições previdenciárias.
Art. 63. No caso da Reurb-S, a averbação das edificações poderá ser efetivada a partir de mera notícia, a requerimento do interessado, da qual constem a área construída e o número da unidade imobiliária, dispensada a apresentação de Habite-se e de certidões negativas de tributos e contribuições previdenciárias.
Decreto Federal nº 9.310/2018
Art. 67. Serão regularizados como conjuntos habitacionais os núcleos urbanos informais que tenham sido constituídos para a alienação de unidades já edificadas pelo próprio empreendedor, público ou privado.
Art. 68. Para aprovação e registro dos conjuntos habitacionais que compõem a Reurb, fica dispensada a apresentação do Habite-se e, na Reurb-S, das certidões negativas de tributos e de contribuições previdenciárias.
Parágrafo único. O registro do núcleo urbano informal na forma de conjunto habitacional será feito com a emissão da CRF e a aprovação do projeto de regularização, acompanhado das plantas e dos memoriais técnicos das unidades imobiliárias e edificações e dos demais elementos técnicos que sejam necessários à incorporação e ao registro do núcleo urbano informal, quando for o caso.
Assim sendo, é possível vislumbrar que o legislador entendeu que continuar exigindo Habite-se não é a saída para resolução da questão, e deste modo, dispensou a apresentação do Habite-se nos conjuntos habitacionais, nas duas modalidades (Reurb-S ou Reurb-E).
De outra banda, nas áreas de risco em que não seja possível reestruturar a situação deverá promover o reassentamento dos moradores para outros locais. Em suma, a situação consolidada que não apresente risco permanecerá como está independentemente de ter ou não o Habite-se, deste modo, deve-se autorizar a sua regularização, e não impedi-la.
Neste caminho legislativo, os arts. 60 e 63, da lei 13.465/17, encontram-se plenamente compatíveis com o atual contexto constitucional. Isso porque a dispensa da apresentação do Habite-se, nas hipóteses de regularização fundiária, não interfere na esfera de competência municipal para legislar sobre interesse local (art. 30, I, da CF), ou retira do ente federado atribuições de poder de polícia, senão vejamos:
Constituição Federal de 1988
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
A base dessa premissa reside na constatação de que uma vez atribuída ao Município a competência para processar, analisar e aprovar os projetos de regularização fundiária, por si só, já materializa o exercício da atividade municipal de fiscalização, além de constituir expressão da promoção do adequado planejamento, controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, competência esta que lhe está afeta por disposição constitucional (art. 30, VIII, da CF). Também não fica configurada qualquer violação à competência executiva ou normativa atribuída ao Plano Diretor (art. 182, da CF), senão vejamos a legislação abaixo:
Lei nº 13.465/2017
Art. 30. Compete aos Municípios nos quais estejam situados os núcleos urbanos informais a serem regularizados:
I - classificar, caso a caso, as modalidades da Reurb;
II - processar, analisar e aprovar os projetos de regularização fundiária; e
III - emitir a CRF.
Constituição Federal de 1988
Art. 30. Compete aos Municípios:
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes
Neste contexto, a efetivação de um processamento especial às hipóteses de regularização fundiária, ainda que afaste a apresentação de Habite-se, não implicaria reduzir a atribuição constitucional do Município nas políticas de Reurb. Mas sim, assentaria para um paradigma de efetividade e concretização do direito constitucional à moradia digna, além de reconhecer o aspecto econômico da propriedade, transformando em ativo financeiro.
Importante lembrar que, o Habite-se, trata-se de um documento de natureza técnica e urbanística que atesta condições de segurança e de habitabilidade de uma edificação, além de certificar que a obra foi construída em conformidade com as exigências estabelecidas pela Prefeitura. Por outro lado, não podemos olvidar que o Habite-se não constitui um certificado de garantia, pois não está direcionado à certificação de regularidade de normas de engenharia e arquitetura.
Dentro dessa mesma ótica, a lei 13.865/19, acrescentou o art. 247-A, à lei 6.015/73, para dispensar o Habite-se na averbação de construção residencial urbana unifamiliar, de um só pavimento e finalizada há mais de 5 anos, em área ocupada predominantemente por população de baixa renda.
Pois bem. Diante desse contexto esposado, entendemos que os procedimentos de regularização fundiária, a partir da lei 13.465/17, serão registrados mediante a apresentação dos documentos nestes elencados, cujas edificações poderão ser averbadas independentemente da apresentação do Habite-se.
E sendo assim, não há dúvidas que deve ser aplicada a legislação fundiária, conforme interpretação sistemática dos arts. 60 e 63 da referida lei, dispensando assim, a apresentação do Habite-se nos casos em que a lei especificou.
Portanto, resta claro a dispensa do Habite-se para os conjuntos habitacionais, reconhecendo as situações passadas e consolidadas, as flexibilizações e dispensas que são necessárias para que a Certidão de Regularização Fundiária alcance o registro imobiliário.
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1 Art. 59. Serão regularizados como conjuntos habitacionais os núcleos urbanos informais que tenham sido constituídos para a alienação de unidades já edificadas pelo próprio empreendedor, público ou privado.
Sande Arruda é advogado imobiliário com ênfase em regularização fundiária. Especialista em Direito Público, Civil e Processo Civil - Uninassau. Mestre em Gestão Pública - UFPE. CEO Sande Arruda Advocacia.
Fonte: Migalhas