IMG-LOGO
Notícias

“A tendência é de franca expansão das atividades notariais e registrais”

29 de dezembro de 2020

     Recém-empossado presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux fala sobre a importância da desjudicialização e da contribuição da atividade extrajudicial para as ações do Poder Judiciário brasileiro

     Eleito em junho deste ano presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux assumiu no último dia 10 de setembro a presidência da mais alta corte de Justiça do País. Em seu discurso de posse destacou a importância do combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e ao crime organizado, temas centrais de uma das mais recentes atuações dos cartórios extrajudiciais, prevista no Provimento nº 100 da Corregedoria Nacional de Justiça, que incluiu notários e registradores na prevenção a estas contravenções.

     “Aqueles que apostam na desonestidade como meio de vida não encontrarão em mim qualquer condescendência, tolerância ou mesmo uma criativa exegese do direito. Não permitiremos que obstruam os avanços que a sociedade brasileira conquistou nos últimos anos, em razão das exitosas operações de combate à corrupção autorizadas pelo Poder Judiciário brasileiro, como ocorreu no mensalão e tem ocorrido com a Lava Jato”, garantiu.

     Carioca, Luiz Fux se formou em Direito pela Universidade do Estado do Rio Janeiro (Uerj) em 1976. Advogou por dois anos e ingressou no Ministério Público em 1979, de onde saiu para integrar a magistratura, em 1983. Foi desembargador do Tribunal de Justiça fluminense e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 2001 a 2011.

     Indicado pela então presidente Dilma Roussef, tomou posse no STF em março de 2011. Especialista em Direito Civil, presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), corte que integrou de 2014 a 2018. É professor Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e integra a Academia Brasileira de Filosofia e da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. O ministro também presidiu a comissão de revisão do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pelo Congresso em 2016.

     Nesta entrevista exclusiva para a Revista Cartórios com Você, o ministro destaca a essencial atuação de notários e registradores no processo de desjudicialização de demandas em curso no Brasil, assim como os avanços tecnológicos e institucionais da atividade, hoje integrante das ações de combate à lavagem de dinheiro, de expansão da cidadania e na integração com o Judiciário para cumprimento das metas da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).

     CcV – São constantes as mudanças no contexto do Direito de Família no Brasil. Como avalia o papel dos cartórios na efetividade das decisões do STF nesta seara, haja visto os casos envolvendo casamentos entre pessoas do mesmo sexo, mudança de nome e sexo e retificações administrativas direto nas serventias registrais?

     Ministro Luiz Fux – O casamento homoafetivo traduz questão pacificada e sedimentada no ordenamento jurídico brasileiro. A Resolução nº 175, de 14/5/2013, do CNJ, veda a recusa, por parte dos cartórios em recusar a celebração de casamentos civis ou de conversões de uniões estáveis em casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Tal ato normativo remonta ao ano de 2013 e, desde então, notabilizou-se a evolução dos serviços notariais e registrais no que tange à observância da regulamentação. De igual forma, o CNJ, em compasso com diretrizes fixadas pelo STF, também editou o Provimento nº 73, de 28/6/2018, que regulamenta a alteração de nome e sexo no Registro Civil. Nesse passo, mais uma vez foi possível constatar que os cartórios absorveram, pacificamente, esses novos traçados contemporâneos, contribuindo para a busca da efetiva igualdade de gênero socialmente almejada em nosso país.

     CcV – Como avalia o impacto da LGPD nos serviços extrajudiciais, que lidam diretamente com os dados vitais da população brasileira?

     Ministro Luiz Fux – O impacto inicial, nesse ponto, requer e pugna pela qualificação dos agentes delegados e de seus prepostos em relação ao que preconiza a LGPD. Se assim for, certo é que eventuais e potenciais efeitos danosos, na interpretação da lei, serão minorados e afastados na execução das atividades notariais e registrais. Portanto, é de importância que os cartórios adotem medidas de prevenção contra incidentes envolvendo dados pessoais, adequando-se aos novos preceitos introduzidos pela LGPD.

     CcV – Como avalia a contribuição dos cartórios para as metas da Agenda 2030 da ONU na qual o Poder Judiciário brasileiro agora está inserido?

     Ministro Luiz Fux – É inegável e evidente o potencial da força dos cartórios no atingimento das metas da Estratégia Nacional do Poder Judiciário da Agenda 2030. A princípio, constata-se a importância dos cartórios em razão de que, das 18 entidades brasileiras que fazem parte da Estratégia, duas são intrinsicamente ligadas aos cartórios: a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR) e a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).

     Adiante, são evidentes as atividades cartoriais correlacionadas com as metas da Agenda 2030. Partindo-se do que regulamentado no CNJ em relação as serventias extrajudiciais, tem-se, por exemplo, a Recomendação nº 46, que dispõe sobre medidas de prevenção à violência patrimonial e financeira contra o idoso, no âmbito dos cartórios, diretamente relacionada ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 16 da Agenda, que trata da promoção de sociedades pacíficas e do alcance de justiça.

     Ademais, várias outras contribuições cartoriais podem ser enumeradas. Apenas, em numerus apertus, ao enviar dados registrais, das pessoas em estado de vulnerabilidade econômica, em cumprimento ao Provimento nº 104 do CNJ, de 9 de junho de 2020, os Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais cumprem o mister de possibilitar a emissão de registro geral de identidade a essas pessoas, propiciando, sob diversos enfoques, o atingimento de ODS da Agenda 2030. Nesse caso, por exemplo, em tempos de pandemia, a obtenção do registro permite e é essencial para a obtenção do auxílio emergencial, o que vai ao encontro das ODS nºs 1 e 2, que tratam da erradicação da pobreza e da fome zero, respectivamente.

     CcV – Os Cartórios de Registro Civil agora são Ofícios da Cidadania, podendo celebrar convênios com órgãos públicos para a emissão de documentos de identificação. Como vê a importância desta iniciativa, uma vez que os cartórios estão presentes em todos os municípios do Brasil?

     Ministro Luiz Fux – A alta capilaridade dos Cartórios de Registro Civil no território nacional é um mecanismo que, nesse caso, foi oportunamente aproveitada, na medida em que permite, com efeito, a ampliação do acesso aos serviços públicos no Brasil. A realização pelos cartórios de serviços tais como os de Registro Geral (RG), Cadastro de Pessoa Física (CPF), Carteira de Trabalho, emissão de passaportes, dentre outros, permitem o atendimento da população de pequenos municípios e distantes das capitais das unidades federativas do País, que não contam com muitas repartições públicas – realidade da maioria dos municípios do Brasil. Nesse viés, os cartórios absorvem importantes demandas, essenciais para o exercício da cidadania, com suas caracterizadas agilidade e segurança jurídica, oferendo economia para a população, que não mais tem que se deslocar para centros urbanos em busca desses serviços.

     CcV – Um dos grandes temas atuais tem sido o combate às fake News. Os Cartórios podem contribuir por meio da utilização de atas notariais para registrar e comprovar a manipulação de informações durante as eleições?

     Ministro Luiz Fux – Sim, efetivamente. As atas notarias constituem um forte instrumento público no combate às fake news. Categoricamente, a ata notarial se presta a atestar e documentar a existência e o modo de existir de algum fato, nos termos da lei processual civil (CPC, art. 384).

     Nesse contexto, contra aqueles que, infeliz e inoportunamente, ainda compreendem a internet como um local para a prática irresponsável de ilícitos, a lavratura da ata notarial torna possível a produção probatória e o registro de seu conteúdo, com a identificação de seus autores, ainda que posteriormente seja apagado no meio virtual. Portanto, no cenário das eleições, englobando os períodos pré e pós-eleitorais, a ata notarial constitui mecanismo acentuadamente apto a zelar pelo justo e democrático jogo eleitoral, na medida em que poderá auxiliar a fiscalização dos abusos eleitorais, em especial das fake news.

     CcV – Duas normativas tiveram importante impacto sobre a atividade dos cartórios recentemente. Como avalia a importância do Provimento nº 88, que trata do combate à lavagem de dinheiro, e do Provimento nº 100, que implantou o ato eletrônico notarial no Brasil?

     Ministro Luiz Fux – Como é de conhecimento geral, novas atividades vão sendo incorporadas pelos cartórios extrajudiciais em colaboração com todo o sistema judicial, seja no combate à lavagem de dinheiro, seja nas causas envolvendo o Direito de Família, seja, ainda, na prestação de serviços online aos cidadãos. A tendência é de franca expansão das atividades notariais e registrais, não apenas pela competência e pela excelência dos serviços prestados pelos cartórios, mas também em razão da capilaridade do sistema extrajudicial, que conta com mais de vinte e três mil unidades espalhadas por todo o território nacional.

     CcV – Os atos online foram uma grande novidade, principalmente para um país com a magnitude do Brasil. A pandemia acelerou o processo de implementação dos atos eletrônicos no Brasil?

     Ministro Luiz Fux – O Conselho Nacional de Justiça é o órgão central de planejamento estratégico do Poder Judiciário brasileiro, o que confere como uma de suas responsabilidades prover um ambiente fértil à evolução dos serviços extrajudiciais como uma parte essencial do Poder Judiciário, não apenas ao dar continuidade às lavraturas por meio eletrônico durante a pandemia, mas também na extensão de tais mudanças para além do período da peste.

     CcV – Qual a importância dos treinamentos online sobre estas novas normativas nacionais?

     Ministro Luiz Fux – Reitero a importância da contínua capacitação do profissional cartorário diante as mudanças do mundo moderno e, com isto, a produção de materiais de estudo sobre área. Iniciativas assim geram engajamento e afetam diretamente o bom funcionamento o Estado, do Poder Judiciário e, com isso, da sociedade.

     CcV – Os Cartórios têm se modernizado cada vez mais e inclusive contam com uma premiação nacional de qualidade no atendimento. Como avalia esta iniciativa e também a colaboração destas unidades na desobstrução do Poder Judiciário?

     Ministro Luiz Fux – O bom atendimento é essencial para todos os serviços prestados à sociedade. Na atividade extrajudicial, essa premissa se potencializa, bastando-se pensar na sensibilidade dos casos envolvendo inventários, partilhas, divórcios e demais temas relacionados ao Direito de Família que passaram ao crivo dos cartórios extrajudiciais, evidentemente que satisfeitas as condições legais impostas.

     Por outro lado, deve-se ressaltar que todas essas atividades permitem manter no sistema judicial apenas aqueles casos em que não se mostra possível a resolução extrajudicial dos conflitos sociais.

     CcV – O CNJ e a Escola Nacional de Notários e Registradores (ENNOR) firmaram uma parceria para desenvolver cursos e pesquisas sobre as atividades notariais e registrais. Qual a importância desta iniciativa?

     Ministro Luiz Fux – Uma das principais funções das atividades desenvolvidas pelos cartórios extrajudiciais é a de oferecer segurança jurídica aos negócios jurídicos, bem como aos demais fatos da vida levados a registro. Nessa medida, o fomento aos estudos sobre as atividades notariais no âmbito do Conselho Nacional de Justiça significa, em última análise, garantir a segurança jurídica conducente à otimização do ambiente de negócios no Brasil, o que representa um dos eixos da minha gestão na Presidência do Conselho e do Supremo Tribunal Federal.

     CcV – Como se dará na prática a integração dos trabalhos entre o CNJ e a Ennor?

     Ministro Luiz Fux – O acordo firmado com a ENNOR tem por objeto o desenvolvimento de cursos e pesquisas científicas em matérias que dizem respeito ao Direito Notarial e de Registro, assim como às normativas publicadas de interesse direto. Nesse sentido, o CNJ irá definir matérias e temas que sejam pertinentes aos magistrados, servidores, notários e registradores quando for necessário e colaborar para a consecução do desenvolvimento dos cursos, sempre que possível.

     Demais disso, o CNJ irá indicar semestralmente nomes de magistrados e servidores que tenham interesse em participar das pesquisas acadêmicas e de realizar os cursos da ENNOR, apoiando, por fim, os cursos desenvolvidos e coordenados pela ENNOR, divulgando-os e indicando-os aos Tribunais de Justiças Estaduais.

Fonte: Revista Cartórios com Você