Atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro Dias Toffoli fala sobre a importância do trabalho de desburocratização realizado por notários e registradores brasileiros.
Há alguns anos, os poderes constituídos no Brasil entenderam que delegar atribuições aos serviços extrajudiciais – os cartórios – é sinônimo de desburocratização e desjudicialização. A primeira exitosa experiência se deu em 2007, com a edição da Lei Federal nº 11.441, que permitiu a realização de separações, divórcios, inventários e partilhas em Tabelionatos de Notas.
De lá para cá, o movimento cresceu vertiginosamente, facilitando o acesso do cidadão à serviços e procedimentos burocratizados, descongestionando a máquina pública, com economia de gastos aos usuários e aos entes públicos. Reconhecimentos de paternidade, regularização fundiária, usucapião extrajudicial, retificação de erros de grafia evidentes e conciliação e mediação são alguns dos exemplos mais recentes.
No entanto, um dos que alcançou maior índice de sucesso, foi o apostilamento de documentos, procedimento que certifica, perante autoridades dos 112 países signatários da Convenção da Apostila da Haia, a autenticidade de documentos públicos. Desde que entrou em vigor no Brasil, em agosto de 2016, mais de 4 milhões de documentos foram apostilados pelos cerca de 5.770 cartórios habilitados no País, com crescimento de mais de 500 mil no último ano.
O trabalho desburocratizador dos notários e registradores brasileiros, que acabou com a chamada legalização em cadeia, que demandava do cidadão se deslocar por diferentes órgãos públicos para realizar o procedimento que demorava meses, e o modelo pioneiro de apostila híbrida no País, chamaram a atenção da comunidade internacional, que realizará, entre os dias 16 e 18 de outubro, em Fortaleza, no Ceará, o 11º Fórum Internacional da Apostila da Haia.
Evento este que contará com a presença do ministro Dias Tofolli, atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que falou com exclusividade à Revista Cartórios com Você. “A sociedade e a comunidade jurídica têm experimentado a desburocratização da legalização de documentos, pois o serviço é prestado com agilidade e simplicidade, sendo a apostila utilizada pelos 112 países signatários da convenção”.
Natural de Marília, no interior de São Paulo, e ministro da Suprema Corte desde 2009, Dias Toffoli que assumiu a presidência do órgão em 13 de setembro de 2018, fala de suas expectativas para o evento internacional que o País receberá no segundo semestre deste ano.
CcV – Qual é a expectativa do Poder Judiciário brasileiro para a Convenção da Haia que será realizada no Brasil em 2019?
Ministro Dias Toffoli – Primeiramente, gostaria de ressaltar que o Poder Judiciário brasileiro está honrado por contribuir para a cooperação internacional em assuntos judiciários e administrativos. Trata-se de oportunidade ímpar de troca de experiências e de promoção de debates qualificados em território nacional. Todos ganham com isso! Nossa expectativa é de que os trabalhos resultem em ações futuras uniformes por parte de todos os países membros.
CcV – Procedimentos transfronteiriços estão cada vez mais comuns no cenário globalizado de nossa sociedade. Qual foi a importância da adesão do Brasil à Convenção da Apostila da Haia?
Ministro Dias Toffoli – Recepcionada no segundo semestre de 2015, a Convenção da Apostila da Haia entrou em vigor no Brasil em 16 de agosto de 2016. Desde então, foram mais de três milhões de documentos apostilados. A sociedade e a comunidade jurídica têm experimentado a desburocratização da legalização de documentos, pois o serviço é prestado com agilidade e simplicidade, sendo a apostila utilizada pelos 112 países signatários da convenção. Portanto, no Brasil, o apostilamento de documentos é realizado com segurança jurídica e presteza, como requer a demanda atual dos procedimentos transfronteiriços.
CcV – Como vê a importância da participação de notários e registradores neste evento internacional da Convenção da Haia?
Ministro Dias Toffoli – Atualmente, segundo levantamento estatístico do Conselho Nacional de Justiça, mais de seis mil cartórios estão aptos a realizar o apostilamento de documentos estrangeiros. Sendo os notários e os registradores imprescindíveis para o cumprimento da Convenção, é fundamental que eles participem do evento, pois enriquecerão os debates com sua avaliação sobre o tema e com suas propostas para a evolução da prestação do serviço.
CcV – Passados três anos do ingresso do Brasil na Convenção da Apostila da Haia, qual balanço se faz dos resultados?
Ministro Dias Toffoli – Os números acima demostram que a Convenção da Apostila da Haia trouxe ganhos significativos aos cidadãos e às empresas que necessitam da legalização de documentos para uso no exterior, como aqueles emitidos pela Justiça ou por registros comerciais, diplomas e certidões de nascimento, casamento ou óbito.
CcV – Quais inovações foram introduzidas no sistema de apostilamento com a criação do modelo brasileiro de apostila?
Ministro Dias Toffoli – A partir da entrada em vigor da Convenção, os cidadãos dos países signatários passaram a se sujeitar, no que tange à documentação, a um único procedimento, que consiste na emissão da Apostila. Ela certifica a origem do documento, simplificando toda uma cadeia de legalização. Ganha-se eficiência e elimina-se burocracia.
CcV – Qual foi a razão que levou o Poder Judiciário brasileiro a delegar esta atribuição aos notários e registradores?
Ministro Dias Toffoli – A razão foi a alta demanda pelo serviço, sua inicial concentração em um só órgão e a complexidade do procedimento, pois era preciso se atestar a autenticidade da assinatura do signatário do documento, de sua função ou do cargo por ele exercido, e, eventualmente, do selo ou do carimbo aposto no documento. Isso levava um tempo do qual o cidadão, muitas vezes, não dispunha. Nesse sentido, considerando que os notários e os registradores são dotados de fé pública e que convinha elevar o número de autoridades competentes para a realização do serviço, decidiu-se delegar a atribuição do apostilamento às serventias extrajudiciais.
CcV – Como o procedimento para apostilamento de documentos foi simplificado com a delegação desta atribuição ao segmento extrajudicial?
Ministro Dias Toffoli – Até o advento da Convenção, apenas o Ministério das Relações Exteriores era responsável pela legalização de documentos produzidos no estrangeiro. O órgão, desse modo, era responsável pelo processamento de todos os pedidos realizados no território nacional cujo procedimento era complexo. Com a convenção o procedimento é padronizado, simples e célere. De outro lado, o aumento do número de autoridades apostilantes permitiu que um número maior de documentos fosse legalizado, e em um tempo mais curto.
CcV – Há a expectativa para o lançamento de um novo sistema de apostilamento. Quais benefícios e inovações este sistema trará?
Ministro Dias Toffoli – Sim. O Conselho Nacional de Justiça, em parceria com a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR) e com o Colégio Notarial do Brasil (CNB/CF), está desenvolvendo um sistema mais moderno, com segurança tecnológica e recursos comumente utilizados pela comunidade internacional.
CcV – Qual a importância de iniciativas como esta, de parceria entre o segmento judicial e extrajudicial para a desburocratização de procedimentos no País?
Ministro Dias Toffoli – Iniciativas como essa agilizam a vida do cidadão, são eficientes, garantem a segurança jurídica dos atos praticados e permitem que o Poder Judiciário se dedique aos litígios de grande complexidade.
CcV – Como avalia a importância da atividade de notários e registradores para a sociedade?
Ministro Dias Toffoli – Nos últimos anos, a comunidade jurídica tem experimentado medidas de desburocratização via desjudicialização de procedimentos. Cito, a propósito, as leis do divórcio e do inventário extrajudicial, além dos Provimentos do CNJ 65/2017, 67/2018, 73/2018, os quais tratam, respectivamente, da usucapião extrajudicial, da mediação/conciliação e da alteração de prenome e de registro de gênero nos assentos de nascimento e casamento.
CcV – Ainda cabe ao Poder Judiciário brasileiro regulamentar a atuação de notários e registradores no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, o que já ocorre em diversos países do mundo. Como vê a importância do ingresso destas atividades nos esforços ao combate aos crimes financeiros no País?
Ministro Dias Toffoli – Os notários e os registradores devem ser colaboradores ativos dos órgãos estatais de fiscalização e investigação. Cabe a eles informar as autoridades competentes sobre atos suspeitos de ilicitude, cuidando de não os realizar. É o chamado dever de abstenção.