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Artigo – Contratos eletrônicos reconhecidos como títulos executivos extrajudiciais

8 de junho de 2018

     Prezados leitores do JOTA,

     O tema desta coluna diz respeito ao reconhecimento dos contratos eletrônicos como títulos executivos extrajudiciais, consoante recente acórdão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no âmbito do Recurso Especial 1.495.920/DF, em sessão ocorrida no último dia 15 de maio de 2018.

     Como é sabido, no rol dos títulos executivos extrajudiciais, contido no art. 784 do Código de Processo Civil, consta no inciso III o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas.

     Historicamente, as confissões de dívida entre particulares eram vedadas anteriormente ao Código de 1973, visto que o art. 1°, §10, do Decreto-lei n. 1.042/69 indicava que tais somente dariam oportunidade à execução quando feitas por instrumento público.

     No CPC de 1973, tais documentos constaram no elenco de títulos executivos extrajudiciais, conforme previsão do art. 585, II, daquele diploma.

     Trata-se de hipótese bem ampla, de sorte que qualquer documento particular que esteja assinado pelo devedor e por duas testemunhas ostenta a condição de título executivo, desde que a obrigação nele representada seja certa, líquida e exigível (1).

     Os contratos firmados em meio eletrônico, não de hoje, são uma realidade da qual não se pode afastar. Um claro exemplo disso é o fato de o CPC/2015 haver tratado dos documentos eletrônicos como meio de prova típico, desgarrados da prova documental comum, nos termos dos arts. 439 a 441.

     As mais variadas relações comerciais e contratuais são hoje pactuadas por meio digital, desde uma simples compra de passagem aérea até grandes contratos entre empresas nacionais e internacionais, com valores expressivos e obrigações de relevo e impacto. O meio magnético vem substituindo, paulatinamente, o meio “papel” como suporte de informações e origem das relações de crédito (2).

     Se as relações digitais são uma realidade, os problemas que delas decorrem também o são. Se há inadimplemento em contratos firmados “no papel”, com assinatura real e presencial, também há nos contratos eletrônicos, razão pela qual surgiram os inevitáveis questionamentos sobre a possibilidade de se considerar ditos contratos como títulos hábeis à execução, ou se seria necessária a propositura de ação de conhecimento, para gerar o título executivo judicial.

     Um dos grandes entraves para o reconhecimento dos contratos eletrônicos como títulos executivos extrajudiciais sempre foi a falta de assinatura de testemunhas, o que geraria a ausência do requisito da certeza. O entendimento era o de que a assinatura de duas testemunhas integrava a substância do documento particular (3).

     O STJ manifestava, ainda na vigência do Código anterior, posicionamento no sentido de que, na falta da assinatura das testemunhas, não haveria título executivo (4).

     Em razão disso, sempre foi comum, diante da resistência de nossas Cortes, o ajuizamento de ações de conhecimento, ou ao menos de ações monitórias, com o fito de constituir o título executivo, afastando qualquer dúvida acerca da presença do requisito da certeza, de modo a viabilizar a satisfação do crédito.

     Ao que parece, a decisão do STJ, tomada por sua 3ª Turma, no Recurso Especial n. 1.495.920/DF, tem um valor muito significativo, que indica uma mudança relevante de posicionamento do referido Tribunal Superior.

     Obviamente, é de se destacar que não se cuidou de recurso afetado pela sistemática dos repetitivos, de modo que não há força de precedente obrigatório, não havendo que se falar nem que esse é o entendimento atual do STJ, já que firmado por apenas uma de suas composições fracionárias. Mas parece indicar – e é isso que se espera – um caminho sem volta no reconhecimento de tal espécie de documento como detentor de força executiva.

     No caso concreto – até o fechamento desta coluna o inteiro teor do acórdão ainda não havia sido objeto de publicação -, o recurso especial foi apresentado pela Fundação dos Economiários Federais – FUNCEF. No Tribunal de Justiça do Distrito Federal, foi negado o direito à execução daquele documento, exatamente tomando como base a ideia de que a ausência de assinatura de testemunhas retirava a possibilidade de inclusão no rol dos títulos extrajudiciais.

     O relator no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, sustentou em seu voto que era possível a execução da dívida com base em contrato digital, fazendo a sua equiparação aos contratos assinados em papel.

     Para o ministro relator, a assinatura digital constante no contrato confere autenticidade e veracidade ao documento, de modo que a ausência de testemunhas, por si só, não deveria afastar a executividade do contrato eletrônico. Ainda de acordo com o relator, é de se reconhecer a importância econômica e social desses acordos, que são bastante comuns nas instituições financeiras.

     Tal acórdão se deu por maioria de votos, de modo que os ministros Marco Aurélio Bellize e Moura Ribeiro acompanharam o relator, divergindo apenas o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. A ministra Nancy Andrighi não participou do julgamento, por estar impedida.

     Ao que tudo indica, na busca pela atenção à nova realidade das relações comerciais e contratuais, bem como em respeito à efetividade na prestação jurisdicional, dita decisão visou a afastar a celeuma quanto à necessidade da assinatura das testemunhas como elemento fundamental para a certeza do título.

     Para que servem, afinal, as testemunhas? Ora, a finalidade da exigência legal é para que, na hipótese de o devedor alegar algum vício de vontade nos embargos à execução, serem as testemunhas convocadas para depor em juízo (5). O STJ entende que não se faz necessário que as testemunhas sejam presenciais, podendo ser instrumentárias, isto é, assinar depois mesmo sem terem assistido ao ato de celebração do negócio (6).

     Sendo assim, a rigor, não há concretamente a necessidade de que as testemunhas tenham assinado presencialmente e conjuntamente com o devedor. O que parece relevante é que as testemunhas, acaso chamadas em juízo, tenham condições de expressar o que sabem sobre a celebração daquele negócio jurídico, e isso – a nosso ver – independe de o documento conter as respectivas assinaturas.

     Para tanto, a se admitir, como fez o STJ, o contrato eletrônico como título extrajudicial, caso o devedor queira a ele se opor, deve fazê-lo pela via dos embargos. Se nos embargos, a defesa é ampla, e se admite a produção de prova testemunhal, as testemunhas poderão ser arroladas por ambas as partes, a fim de demonstrarem a existência ou não do título, bem como a presença de seus requisitos.

     As vantagens para os exequentes são, por óbvio, enormes. A se imaginar que os juízes e tribunais inferiores passem a seguir tal linha de raciocínio, os credores deixarão de necessitar da propositura de ações cognitivas para a satisfação de seus créditos.

     Por vezes, era comum se observar contratos digitais cujos credores demandavam a assinatura “física” do devedor (mesmo já constando assinatura digital) e de testemunhas, a fim de evitar que tais documentos tivessem a sua certeza questionada pela parte adversa numa eventual execução.

     Estamos, por assim dizer, diante de uma verdadeira mudança de paradigma em matéria de execução. Já era tempo de o STJ se adequar a uma nova realidade, em que boa parte das relações comerciais e contratuais são travadas em meio digital.

     Ainda que a decisão aqui analisada não se constitua em precedente com força obrigatória, é de se confiar que em não muito tempo dito entendimento passe a ser objeto também das decisões de outras turmas do STJ e dos órgãos jurisdicionais inferiores. Burocracia e formalidade em excesso não combinam com o mundo digital. E a Justiça não pode fechar os olhos para isso.
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1 DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução. Salvador: Jus Podivm, 7. Ed., 2017, p. 296.

2 PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura. Documentos eletrônicos: a desmaterialização dos títulos de crédito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/2361>. Acesso em: 21 maio 2018.

3 ASSIS, Araken. Manual da Execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 15. Ed., 2013, p. 195.

4 RESP 11.745/RS, Rel. Ministro Bueno de Souza, 4ª Turma, julg. 30.11.1992.

5 DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução. Salvador: Jus Podivm, 7. Ed., 2017, p. 297.

6 RESP 541.267/RJ, Relator Ministro Jorge Scartezzini, 4ª Turma, julg. 20.09.2005, DJ 17.10.2005.

 

Marco Aurélio Peixoto – Advogado da União. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Especialista em Direito Público pela UnB. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Associado Fundador da ANNEP - Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo, Professor Honorário da Escola Superior da Advocacia Ruy da OAB/PE, da Graduação em Direito da Faculdade Estácio do Recife, das Especializações em Direito Processual Civil da Faculdade Estácio do Recife, Facesf e Espaço Jurídico. Vice-Diretor da Escola da AGU na 5 Região. Conselheiro Seccional da OAB/PE

Rodrigo Becker – Advogado da União. Mestre em Direito pela UnB. Ex-Procurador-Geral da União. Diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB/DF. Professor da Graduação e da Pós-Graduação do IDP em Brasília e Goiânia e da Pós-Graduação da Atame. Membro-fundador e Vice-Presidente da ABPC (Associação Brasiliense de Direito Processual Civil). Membro da ABDPro (Associação Brasileira de Direito Processual)