A informatização dos serviços cartorários é algo esperado faz tempo pela população. Perder tempo de deslocamento, esperar em filas, ir ao cartório para fazer o pedido de uma certidão para ter que retornar em outro dia para buscar. Tudo isso é bem conhecido e se mostra antiquado nos dias de hoje. A pandemia do corona vírus trouxe consequências inimagináveis e catastróficas. Mas não se pode negar que com ela a informatização do atendimento ganhou espaço e veio pra ficar. E com os cartórios não poderia ser diferente.
Em junho deste ano foi promulgada a Lei nº 14.382/22, instituindo o Sistema Eletrônico de Registros Públicos, o Serp. Conforme disposto no artigo 1º, a Lei "moderniza e simplifica os procedimentos relativos aos registros públicos".
Entre os muitos elencados objetivos da implementação deste novo sistema, constam o registro público eletrônico dos atos e negócios jurídicos (artigo 3º, I), a interoperabilidade das bases de dados entre as serventias dos registros públicos e entre as serventias dos registros públicos e o Serp (artigo 3º, III); e o atendimento remoto aos usuários de todas as serventias dos registros públicos, por meio da internet (artigo 3º, IV).
O Serp vem para atender e facilitar uma gama de necessidades da nossa sociedade, desde uma pessoa que precisa 'tirar' uma certidão até mesmo duas serventias que precisam trocar uma informação entre si. As certidões poderão ser emitidas e enviadas digitalmente, e sua solicitação poderá ser feita pela internet, sem necessidade de se deslocar até o cartório.
Apesar da inovação, a informatização dos cartórios não é tão novidade assim. Há anos que as próprias associações de registradores criaram centrais em alguns Estados para circulação de informações. Diante dessa experiência positiva, a própria Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça editou em 2015 o Provimento 46, que instituiu a Central de Informações de Registro Civil das Pessoas Naturais (CRC), operando por meio de sistema interligado, disponibilizado na internet. No ano seguinte, através do Provimento 48, foi instituído o sistema de registro eletrônico de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas. Em 2017, a Lei nº 13.465 instituiu o Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), para implementar e operar o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI). Ou seja, a informatização vem se desenvolvendo de longa data. Mas o ponto fulcral no qual o Serp inova é fazer com que todas essas centrais e sistemas de registros públicos operem através de um único portal, além de se estabelecer padrões para os documentos digitais.
Fazendo uma breve análise da Lei n. 14.382/22, no artigo 3º, §4º, a lei estabelece que o Serp terá Operador Nacional, sob a forma de pessoa jurídica de direito privado, na forma de associação ou fundação, na modalidade de entidade civil sem fins lucrativos, nos termos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça. Apesar da ausência de regulamentação no momento em que escrevo este artigo, é possível prever que esse Operador Nacional será bastante semelhante ao já citado ONR, ou seja, será composto pelos registradores públicos de todo o Brasil, terá como papel implantar e operar o Sistema Eletrônico de Registros Públicos e será regulado e fiscalizado pela Corregedoria Nacional de Justiça.
O artigo 4º por sua vez dispõe sobre a implantação do Serp. O caput preceitua que é a Corregedoria Nacional quem estabelecerá os termos nos quais o Sistema deverá ser implantado. E serão os oficiais dos registros públicos quem promoverão a implantação e o funcionamento do Sistema, disponibilizando as informações necessárias. O §1º por sua vez determina que a adesão ao Serp pelos oficiais e interinos será obrigatória.
A lei ainda estabelece, no artigo 5º, a criação de um Fundo para a Implementação e Custeio do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Fics). Esse Fundo será subvencionado pelos oficiais dos registros públicos, cujas cotas de participação serão estabelecidas e fiscalizadas pela Corregedoria Nacional de Justiça. Apesar de, como afirmado anteriormente, a adesão ao Serp ser obrigatória, o §2º do artigo 5º isenta da subvenção ao Fundo os oficiais que desenvolverem e utilizarem seus próprios sistemas e plataformas, desde que sejam plenamente interoperáveis e integráveis ao Serp, nos termos que serão estabelecidos pela Corregedoria Nacional.
A Lei nº 14.382/22 também trouxe diversas mudanças, alterando normas da Lei nº 4.591/64 (Lei do Condomínio), Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), Lei nº 6.766/79 (Lei de Parcelamento do Solo Urbano), Lei nº 8.935/94 (Lei dos Cartórios), Lei nº 10.406/02 (Código Civil), Lei nº 11.977/09 (Programa Minha Casa, Minha Vida), Lei nº 13.097/15 e Lei nº 13.465/17 (Regularização fundiária).
Por fim, a própria lei traz que o cronograma a ser elaborado pela Corregedoria Nacional de Justiça para implantação do Serp não poderá ter como data final momento posterior ao dia 31 janeiro de 2023. Ou seja, em poucos meses o Serp e os cartórios digitais começarão a ser uma realidade.
Leonardo Sanches Ferreira é analista judiciário do Superior Tribunal de Justiça, mestrando em Direito, Regulação e Políticas Públicas pela Universidade de Brasília (UnB) e pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade La Salle (Unisalle-RJ).
Fonte: Conjur