VENDA SIMULADA A DESCENDENTE NULA - “PLENO JURE”
EULÂMPIO RODRIGUES FILHO
Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia
Pós-Doutor em Direito
Advogado
Proposta ação de nulidade de atos jurídicos e de respectivos instrumentos, veio a contestação vazada nos itens ora considerados.
Quanto à exceção de coisa julgada
Os contestantes levantam hipótese de ocorrência de “coisa julgada” a vedar a propositura e o curso da ação e do respectivo procedimento.
“Data venia” os réus equivocam-se, vez que o litisconsórcio ativo formado na presente demanda é distinto daquele estabelecido na propositura anterior, razão pela qual na hipótese incide a regra que veda estensão a terceiros, dos efeitos sentenciais antecedentes.
A propósito o Prof. MARINONI, “in” Coisa Julgada sobre Questão, Inclusive em Benefício de Terceiro, THOMSON REUTERS, preleciona:
“Ora, é certo que uma decisão judicial apenas pode prejudicar aquele que teve ampla e completa oportunidade de influenciar o Juiz, ou seja, de alegar, discutir, requerer prova, participar da sua produção e considerar sobre o seu resultado. Ninguém pode ser prejudicado por decisão em processo de que não pôde participar em adequado contraditório. Trata-se de princípio basilar e ancestral que legitima o exercício do poder estatal no processo. A legitimidade do exercício do poder pelo Juiz depende da efetiva possibilidade de participação daqueles que serão afetados pela decisão judicial.”
Demais disto, tem-se que, conforme se vê de cópia de sentença a fls., não houve julgamento de mérito, pelo que a “res judicata” não constitui óbice ao curso desta ação, mesmo sob esse aspecto, e com relação a terceiros.
Alegada prescrição do direito de demandar.
Os espólios contestantes cuidam dessa matéria mediante subida ao “podium” (com o perdão dos romanos), de onde vociferam, sobretudo com exposição de cultura duvidosa de sua preferência, ilegitimamente consagrada.
HIPÓCRATES já afirmava que:
“Os homens deveriam saber que é do cérebro, e de nenhum outro lugar, que vêm a sabedoria e os contentamentos.”
Percebe-se que os requeridos elegem para discussão do tema, um aspecto da Lei e do Direito relegando ao desprezo a distinção entre esses fenômenos, caindo em equívoco que parece evidente.
Indiscutível que a simulação vem desafiando os espíritos cautelosos do Brasil de há muito.
Submetidos ao seu exame sob o aspecto particular desde a publicação do Código Penal de 1890, sendo dada em alguns casos, por minorias desavisadas como matéria pacífica, e dissolvidas todas as incoerências apropositadas. Absurdo!
Todavia, percorrendo o âmago, o imo da questão, sobretudo mediante consciência das suas verdadeiras e científicas variações, com emprego de disciplinas apropriadas para o caso, percebe-se que a presente tese, pelo menos não é aventuresca, ao contrário das afirmações trazidas como intróito à discussão estabelecida.
Consabido que desde a vigência do Direito Romano pelo mundo, e conforme sua influência ainda hoje no Ocidente (Cfr. SAVIGNY) a simulação é conhecida e reconhecida como um processo de FRAUDE À LEI “OU” PARA PREJUDICAR TERCEIROS.
Diante disso tem-se que a SIMULAÇÃO para FRAUDAR a Lei, em autêntico ABUSO DE DIREITO, vem contra a ordem jurídica nacional.
A simulação para prejudicar terceiros, ao contrário, atinge pessoas específicas.
De sorte que essa distinção, para tomada de consciência do que se deve trazer ao debate sobre questão de tão relevante importância, exige evocação dessa particularidade do Direito brasileiro, vez que sem razão, de modo didaticamente errado têm-na tratado como se envolvesse assuntos juridicamente englobados, com preeminência da venda semi-ilegal, isto é, da venda direta do ascendente a descendente, que é sujeita à anulabilidade.
Respeitantemente ao tema alusivo à SIMULAÇÃO, explicita a Profª ANA CLARA NOLETO DOS SANTOS BUENO, do TJDF, “in” Simulação no Código Civil, “web”:
“O novo ordenamento jurídico trata da simulação como sendo o único vício que enseja a nulidade absoluta, merecendo, dessa forma, nosso atento estudo de caso.”
“Com o advento do novo Código Civil, trazendo mudanças de categoria do vício em questão, merecida se faz fazer uma análise devido a sua grande prática na vida do cidadão, tendo como principal conseqüência ser um ato tachado por lei como nulo, podendo este ser alegado por qualquer interessado, pelo MP, ou pelo Juiz de ofício.” (idem, ibidem).
E, prossegue a professora:
A “Simulação é a declaração enganosa da vontade visando produzir efeitos diversos do ostensivamente indicado, com o fim de criar uma aparência de direito, PARA ILUDIR TERCEIROS OU BURLAR A LEI.”
Exalce-se que, conforme se vê do Direito aplicável (CC 2002), a “Simulação” é classificada na parte em que é regulada a INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO (Art. 166).
E, de fato, basta proceder-se a um estudo sistemático do Código Civil,para que seja concebida a idéia de que a simulação não tem identidade com Venda Direta de Ascendente a Descendente regulada na lei. Serve-lhe de esteio, quando se a faz mediante interposição de pessoa para prejudicar os descendentes omitidos.
Observe-se que o art. 496 do CC não regula “diretamente” a venda mediante simulação através de interposta pessoa, vez que simplesmente inserida no Título relativo às espécies de contratos e o Cap. I do Livro III, Título VI, que trata de CONTRATOS, surgindo a venda de ascendente a descendente no Título VI, nessa parte que os regula, e não os vícios dos mesmos, de que se valem, para efeito de reconhecimento de ANULABILIDADE.
De fato, a regulação da matéria sobre venda de “ascendente a descendente” não abrange diretamente a “simulação”, que tem regime próprio e inconfundível, mas que, sendo o caso, é de ser invocada e provada.
Se existem disposições legais que disciplinam as matérias, não há azo a que no art. 496 esteja englobada “simulação, sobretudo por PRESUNÇÃO.”
A propósito do tema vem a pelo excelente lição proferida pelo Prof. LEONARDO CARDOSO DE MAGALHÃES, Aspectos gerais da ação de nulidade por simulação:
“O autor não pleitea do réu qualquer prestação, seja prestação de dar, de fazer de não fazer, de abster- se, ou de outra espécie. O que ele visa com a propositura da ação é, apenas, criar, extinguir, ou modificar determinada situação jurídica, e isso é feito independentemente da vontade, ou mesmo contra a vontade da pessoa ou pessoas que ficam sujeitas ao efeito do ato. Assim, o réu da ação, embora não fique obrigado a uma prestação, uma sujeição”. (AMORIM FILHO, Agnelo, 1997, p. 732). (...)
(...) só os direitos da primeira categoria (isto é, os direitos a uma prestação) conduzem à prescrição, pois, somente eles são suscetíveis de lesão ou violação (...) os direitos potestativos (que são, por definição, direitos sem pretensão, ou direitos sem prestação, e que se caracterizam, exatamente, pelo fato de serem insuscetíveis de lesão ou violação) não podem jamais, por isso mesmo, dar origem a um prazo prescricional (...) só as ações condenatórias podem prescrever, pois são elas as únicas ações por meio das quais se protegem os direitos suscetíveis de lesão (...) Os únicos direitos para os quais podem ser fixados prazos de decadência são os direitos potestativos, e, assim, as únicas ações ligadas ao instituto da decadência são as ações constitutivas, que tem prazo especial de exercício fixado em lei”.(AMORIM FILHO, 1997, p. 736). (...)
“Destarte, se a lei não fixar prazo especial para a extinção dos direitos potestativos e, por via reflexa, da ação pela qual são exercitados, fica prevalecendo o princípio da perpetuidade. É o que acontece com a ação de nulidade por simulação na sistemática do CCB/2002, notadamente em razão das disposições do seu art. 169, podendo ser denominada perpétua, segundo a lição de Agnelo Amorim Filho. (...)”
“A decretação da nulidade do negócio jurídico simulado é questão de ordem pública, e, como tal, interessa a toda a sociedade, eis que consubstancia o interesse de manter a segurança e a higidez dos negócios, garantindo-se eficácia às manifestações de vontade e estabilidade às relações tuteladas pelo Direito Civil. Daí sobressai a possibilidade jurídica do pedido de invalidação do negócio jurídico, com fulcro no art. 167 do CCB/2002.”
A seu turno, o Código Civil brasileiro determina:
“Art. 167. É nulo negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§ 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.”
A doutrina esclarece (NELSON NERY e ROSA NERY, Código Civil Comentado, S. Paulo, RT, 2011, págs. 374 e segs.):
“4. Fraude à lei e simulação. Na figura da fraude à lei existe uma intenção, direta ou indireta, de fraudar o imperativo da norma jurídica. A declaração de vontade frauda o comando legal, pois é contrária ao preceito de lei. A distinção entre os institutos jurídicos, entretanto, não significa que, nos diferentes casos concretos, não possa haver uma sobreposição entre as figuras. Isto seria uma ingenuidade e implicaria pouco aprofundamento teórico nos seus matizes mais elementares. Sobre a relação entre fraude à lei, simulação e negócio indireto, v. Nery. (Soluções Práticas, v. III, n. 12, pp. 402-410).”
“2º: 10. Efeitos da simulação. Questão de ordem pública, de interesse social, torna o negócio jurídico nulo. Independe de ação judicial para ser reconhecida. Pode ser alegada como objeção de direito material (defesa) e deve ser reconhecida de ofício pelo juiz (CC 168 par. ún.), a qualquer tempo e grau ordinário de jurisdição. É insuscetível de confirmação pelas partes (CC 172) ou de convalidação pelo decurso de tempo (CC 169). Reconhecida a simulação, os efeitos desse reconhecimento são retroativos à data da realização do negócio jurídico simulado (eficácia ex tunc).” (...)
“12. Casuística:
“Alegação de simulação. Jornada IV STJ 294:
“Sendo a simulação uma causa de nulidade do negócio jurídico, pode ser alegada por uma das partes contra a outra”.
“Simulação. Causa de nulidade do negócio jurídico. Em espectro de mais de quinze anos (desde 1990 até 2007), em numerosas vezes, ao aplicar o CC/1916 em matéria de simulação, o STJ, antecipando-se ao regime da simulação no CC/2002, entendeu que a sanção era a nulidade e não a anulabilidade. Em ordem cronológica, veja- se as importantes decisões paradigmáticas: REsp 2216-SP, rel. Min. Nilson Naves, j. 28.6.1991, DJU 1º.7.1991, v.u.; REsp 10984- RS, rel. min Dias Trindade, j. 28.6.1991, DJU 26.8.1991, v.u.; REsp 184703/MS, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. j. 9.3.1999, DJU 21.6.1999, v.u.; REsp 10300-SP, rel. Min. Aldir Passarinho, Jr., j. 6.12.1999, DJU 8.3.2000, v.u.; REsp 196319- MS, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 27.6.2000, DJU 4.9.2000, v.u.; REsp 224552-AM, rel. Min. Castro Filho, j. 15.5.2003, DJU 26.6.2003, v.u.; Resp 591401-SP, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 22.3.2004, DJU 13.9.2004, v.u.; REsp 651228-MG, rel Min. Nancy Andrighi, j. 8.8.2006, DJU 21.8.2006, v.u. (...)
“7. Pretensão declaratória. Perpetuabilidade (Imprescritibilidade). As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada (Nery-Nery. CPC Comentado, coment. 3 CPC 220). O CPC 4º§ único, estabelece que é admissível a ação declaratória, ainda que tenha havido violação do direito, numa clara e expressa demonstração da adoção, pelo CPC, da teoria de Agnelo Amorim Filho, que proclama como imprescritíveis as pretensões declaratórias.”
Conclusões
Indiscutível, “data venia”, que o art. 496 do Código Civil disciplina caso de venda direta a descendente, podendo-se imaginar a partir daí a “doação inoficiosa” também realizada diretamente de ascendentes em favor de determinados descendentes.
O que faz surgir a necessidade de se reconhecer eventual simulação é quando para a venda, por exemplo, interpõe-se um agente, a fim de prejudicar demais descendentes, aspecto não disciplinado no art. 496 do CCivil.
E é exatamente neste caso que se vale da aplicação das normas relativas à SIMULAÇÃO PARA PREJUDICAR TERCEIROS e mesmo para BURLAR A LEI que veda semelhante prática, não quando a venda se faz diretamente, caso em que não há simulação.
Diante disso percebe-se que, se no caso “sub examine” ocorreu clara SIMULAÇÃO, as regras desta se aplicam, inclusive aquelas quanto à “nulidade” a “imprescritibilidade”, etc.
Finalmente, tem-se que, se o descendente beneficiado alienou o bem a outro descendente dos primitivos donos (neto) este fez aquisição solenemente “a non domino”, não só nula, mas, inexistente, com os efeitos jurídicos inerentes, inclusive o da invalidez absoluta de vendas outras supervenientes.
Eulampio Rodrigues Filho é Professor de Direito Processual Civil, Professor de Organização Comercial, Doutor em Direito pela UMSA(Buenos Aires), Pós-Doutorando na Universidade de Messina(Itália), Membro do Instituto de Direito Processual, Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, Doctor en Ciencias Juridicas(Argentina)